quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

NATAL DA INFÂNCIA


Collado
NATAL DA INFÂNCIA 

Véspera de Natal
24 de Dezembro,
as meninas de azul,
laçarotes no cabelo,
sapatos de verniz.
Os rapazes de tremelo
e casacos de lã.
Era uma lata velha
resfalgando  qual cavalo
a caminho de Argoncilhe.
Num cruzamento
sem sinalização, pum.
A lata velha bate na esquina
de uma drogaria e faz pião.
A criançada excitada grita,
o pai limpa o sangue
do nariz.
A mãe tenta acalmar
a inesperada situação.
Atrasou-se a inauguração
do presépio,
arrefeceram as rabanadas
mas o calor da recepção
da avó Maria manteve-se.
Mesa grande, muita gente,
à hora pertinente
entrou o bacalhau
com infusão de azeite e alho.
O avô António solfejava
sem conhecer uma nota
do tamanho de um camião.
Toda a gente sorria
como se o dia amanhecesse
singular e santo.
O Jesus menino tardava,
a criançada cabeceava
sem querer perder pitada,
sonho ou realidade,
queriam-no companheiro
de brincadeiras,
esconder as prendas
para as abrir
a 25 de Dezembro
enquanto bebericavam
chocolate quente
e comiam coscorões com canela.

ADEUS

José Gonzalez Collado
ADEUS 

Deixei-te com o arco-íris
ao fundo,
junto do barco virado ao mar,
vislumbrando gaivotas
e escamas de luar.
Ontem ainda esperei
um ramo de rosas azuis
ou mesmo cor da areia,
embrulhadas em celofane
de cristal.
Noite fria,
não faz sentido aguardar
um gesto insólito,
um copo com o oceano dentro,
a lua a descer enchendo os sonhos.

DIZERES


Fidel Latiesas
DIZERES 

Corredores sem fim.
Vagas mansas.
Mar dentro.
Sonhos purpurina.
Presença de cavalos
sem freio.
Sol iluminado.
Um lavar de alma.
Filmes muitos
passando em écrans
mágicos.
O tempo curto.
O fogo soprado.
Os corpos suados.
Um anúncio de néon
com poemas de Natal
dentro.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

UM DIA DE CHUVA

Carlos Almeida
UM DIA DE CHUVA  

Os pássaros voam baixo,
a cidade enegrece,
os lampiões cintilam
nos intervalos das casas.
Os passos apressam-se
ocultando a beleza da arquitectura
secular e sólida
com granito e vozes garridos.
Tanta chuva, mês de Novembro,
os gatos escafedem-se
em buracos de muros
abraçando edifícios
votados a soçobrar.
Os turistas fugidios
arrastam as capas longas,
entram nos cafés iluminados,
pedem do vinho de Porto,
rabanadas doces
envoltas em calda de fruta fresca.
Não se atrevem, por hora
a enfrentar a chuva gelada,
o silêncio da cidade molhada.

ANJOS

Ângelo Vaz
ANJOS  

Os anjos andam por aí
pousam os pés transparentes
nas nuvens esbranquiçadas
e através do telemóvel
enviam-nos mensagens
cifradas.
Estão desfasados
do tempo e realidade
creem-nos demónios
a precisar de ser castrados.
Postam no Instagram
fotografias do céu
insípido e branco,
Deus colhendo flores de bruma,
a Virgem Maria fazendo renda
de espuma.
Os santos rezando terços
não fazendo a diferença
abrem a boca de espanto.
Os fiéis abrigam-se
dos dissabores da vida
na capelinha da aldeia
e pedem a quem está mais próximo,
o anjo da guarda,
que lhes deite a mão
nas horas de silêncio aflito.

ACREDITAR

Collado
ACREDITAR  

Luz solar
tão real como a realidade
não deixa a sombra ensombrar
 a esperança que sobra
nas dobras dos olhos cansados
de esperar.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

UMA CIDADE NOVA

Chucho
UMA CIDADE NOVA 

O ruído é intenso
entre a demolição
e o estertor da caliça
caindo ao chão.
Cai o detalhe
do balaústre feito à mão,
das sancas trabalhadas,
dos florões nos tetos altos,
do soalho em castanho
de tábuas largas,
das claraboias
pássaros bailando
nos telhados musgosos.
Ficam as fachadas
tudo o resto é novo.
Por dentro pladur,
soalhos flutuantes,
janelas em PVC
e outras estruturas
sem personalidade.
Estranho
a destruição de portas
embandeiras
de vidros coloridos
qual catedral inundada
de luz e espiritualidade,
rebordos em granito
denso e cinza.
Entradas com azulejos árabes,
lampiões de ferro forjado.
Dentro das casas renovadas
é tudo branco, assético,
impessoal
como os quartos de um hospital.

PORTA

Collado
PORTA

Era uma porta velha
com fissuras
de ventos e temporais,
porta de carvalho ressequido,
forte como aço
e aconchegante no abraço
com que nos recebia.
No Natal a criançada
entrava algariada
com prendas coloridas
penduradas nos olhos claros.
A avó atarefada, na cozinha
oferecia coscorões e rabanadas,
o calor da lareira acesa
e um beijo repenicado.
Pela porta aberta a todos
os de boa vontade
entrou alegria, tristeza,
o médico na hora da doença,
o padre com o cristo redentor
que se beijava na Páscoa.
Os familiares próximos
e os amigos chegados,
os vizinhos com recados,
e pedintes fixos
buscando o soldo ajustado
e semanal.
Durou, durou, durou
o tempo que a matriarca ficou
à frente daquela casa.
Hoje é uma ruína à espera
que alguém a cobice
e inicie uma nova vida
entrando com gosto
pela vetusta porta
firme e disposta a abrir-se
a outra realidade.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

POEMA

collado
POEMA

Quando o último raio de sol
pousa sobre a mesa
o café da chávena
fica mais brilhante,
o meu corpo imperfeito
estremece,
a mão direita freneticamente
procura uma caneta
e nasce um  outro poema.
Cada um tem o álcool que merece.

DIA DE OUTONO

collado

DIA DE OUTONO

O sofá é grande,
uma manta protege o corpo
frio,
dois cálices de Porto
é demais.
O telejornal desencantado
na edição das oito,
deixo passar o tempo,
a depressão Catrina
empurra os ramos das árvores
em dança furiosa
contra a janela.
Os olhos perdidos,
os pés nos chinelos,
o dia valeu a pena
porque fiz dois poemas.
É noite escura,
as crianças da vizinhança
choram alto,
por um instante
o prédio é deles,
a sua liberdade
cabe dentro de um quadrado,
o choro atravessa as paredes
e chove torrencialmente.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

PAISAGEM MARINHA

collado
PAISAGEM  MARINHA

O dia amanheceu triste
sem razão nem porquê,
um friozinho atrofiava
a vontade de sair.
A praia defronte à janela
salpicada de salitre,
o muralhar do mar
em sons de búzios
e cânticos de sereias
escondidas nas rochas
moldadas pelas ondas.
O vento enrolando a areia
que fustiga a pele
e se pega ao corpo.
As ânsias acomodam-se,
os olhos presos
nos fios do horizonte
esvaindo-se
nas saudades de mundo novo.
O céu é a tela exacta
enfileiradas as estrelas, a lua,
grafite-se o finito do infinito
dos homens e sua existência.

FACEBOOK

collado
FACEBOOK

Que me vendem
nos media
e nas redes sociais
senão imagens vagas
desfocadas
fora do dia a dia
do comum mortal
Descarregam postes
de cores fortes
envoltos em neblina
a lembrar
que a existência
é  fora do écran.
Trocam de perfil
conforme a conveniência,
rude respondo
sem beijos nem abraços
dentro do tema
ou da falta de ideias válidas.
Dou o recado
e vou-me embora
antes que alguém se lembre
de me insultar.

UM VENTO ATLÂNTICO

collado
UM VENTO ATLÂNTICO

O vento sopra como nunca
amassando o ímpeto
e a vontade
de sair e gritar liberdade.
Não há transporte
que leve à lua,
de caras no solo
 os vis mortais
mais uma vez serão capachos
onde botas cardadas pisarão.
Mas há sempre alguém
que resiste,
esquece a porta e o cadeado,
desafia leis injustas
e luta pela paz, pela democracia,
pelo pão partilhado, igualdade
de oportunidades,
pelas cidades, pelo interior,
pelas favelas, pelos índios
esquecidos  na hora de repartir,
por Imanjá, pelo terreiro
pela vendedeira de picolé,
pela mãe que chora
fechando os olhos
do filho assassinado.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

VIVE BRASIL

Collado
VIVE BRASIL 

Este é o meu poema dolente,
dorido, inseguro  espectante,
BRASIL, BRASIL, BRASIL,
Escavas fundo a ferida
num momento sem saída,
cego, surdo, cambaleante,
correndo para o precipício
como se estivesses no terreiro
festejando a liberdade.
Possível, ainda é possível
seguir em frente,
louvar a terra e a gente,
os índios, os negros, os mestiços,
o Nordeste, a Amazónia,
a Baía e o Rio de Janeiro.
Voltar a ser grande
distribuindo o samba,
a dança da capoeira,
o voo do colibri,
os imensos areias,
os mangais, o sol ardente,
a alegria, um futuro,
a vontade de ser
alguma coisa clara.
Dividir o pão sagrado,
as ideias, a construção
de algo novo,
rasgar as nuvens
com o som do violão
espalhando uma remota
e desejada esperança.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

OUTONO

Collado

OUTONO 

Nem dia nem noite,
luscofusco,
a tarde sem chuva,
dormente.
As cores terra exangue
levadas
por um vento agreste.
Onde está o espelho
de ouro velho
onde possa arranjar o cabelo?
Um gato vadio
corre pelas folhas mortas
num jardim pintado
de tons fortes.
Um cheiro intenso,
a brasa, a castanha assada,
queimam-se as mãos,
degusta-se o Outono.

VER


Collado
VER 

Sentada na cadeira escura
de um café da cidade,
esperando o cappucino,
vejo, para além do muro
de cimento e cal,
a vida
enfiada num cubo
balançando sobre um rio
de cristal.
Bem me quer
mal me quer
onde está
quem me quer bem?
Existo, febril
entre querer, não querer,
ser e não ser.
Eis o destino
em cartas de Tarot
caminhos estreitinhos,
pouco ouro
e metas atrás de metas
para cumprir.
Perco palavras cifradas,
registo,
tudo acaba bem
no absoluto desprendimento
de tudo.

SOL AINDA


Collado
SOL AINDA 

À noite
cai a neblina,
cheira a mar,
conversas cochicadas,
pedaços de nada.
O sono serenamente
a chegar,
Beethoven a tocar
uma ária
com paixão.
Tudo é uma passagem
pela ponte
pelo rio
ao encontro de um navio
naufragado em Miramar.
Cordas
enroladas no cais,
ais pendurados
em fios eléctricos,
o tempo a passar
tão rápido
que o vento leste
não o consegue apanhar.
A chuva não cai
a terra está tão seca,
as mãos espremem
um lenço
que não deita água.
Os sonhos subiram
ao sótão da minha avó,
encaixoto-os
numa arca de pinho,
quero barulho,
pés a bater no chão,
ler Marcuse, Platão.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

PEDIDO

Collado

PEDIDO 

Caíram-lhe as asas
com elas se foi
a vontade de voar.
O céu está longe de mais,
as estrelas arrefeceram,
um frio estranho
percorre-a da cabeça aos pés,
estremece
e pensa que não merece
ouvir Verdi.
Ficou-se com o caldo verde
sem rodela,
encostada ao canto,
mais canto do sofá.
Olha pela janela,
a noite caiu.
Só lhe apetece enroscar-se
na manta quente, desformatada,
cair no sono e esperar
que o novo dia frua
e lhe traga
um flute de champanhe
e tostas com caviar.

QUERERES

Coladdo

QUERERES 

Quero esse tempo
em que não havia tempo
só a inocência do momento
e o futuro para vir.
O fugaz era intenso
e por cima
do umbral da janela
no meio do nevoeiro
havia sempre um cavaleiro
pronto para me levar.
Quero o meu
e o que está ao lado
tal como um pássaro alado
voando rumo a sul
Fora de mim plano
à procura de luminosa nave
que do telhado faz rampa,
me rapta
para onde o pensamento humano
não alcança.

RELÓGIO

Coladdo

RELÓGIO  

Parou o relógio,
o tempo não flui
pendurado
nos ponteiros silenciosos.
Falta o bater das horas
a lembrar
que existimos
nesta correria louca
de fabricar vida
a olhar pela vidraça
da janela embaciada.
O pêndulo inerte
não descreve o meio circulo
em dança coreografada.
Parou nas doze horas
de um dia aziago
assim ficou mudo e quedo.
Num golpe de saudade
foi consertado,
colocado no lugar.
Eis o guardião do tempo,
a lembrar dia a dia
a brevidade da vida
que se acaba
a cada minuto rodado.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

JARDIM DA CORDOARIA

Coladdo
JARDIM DA CORDOARIA

Velhas árvores alinhadas,
verde escuro, amusgadas,
alindadas, deformadas,
dando personalidade
ao Jardim da Cordoaria.
Protótipos de outras
servindo de forca
a contestatários
envolvidos em lutas bravas
e míticas revoluções.
Por hora, desejosas,
do Outono envergonhado,
soltam dos ramos
folhas leves, secas,
pintadas de arco-íris.
São ainda casa de pássaros
sem acesso a calendário,
permanecem,
guiados pelo calor fora de época.
Um sem abrigo encosta-se
a umas raízes expostas,
tira do saco um pão seco,
o resto de um queijo encetado
e almoça num silêncio frio.
O dia esvai-se,
o jardim escurece,
as formigas trabalhadeiras
limpam as migalhas.

RELÓGIO

Coladdo
RELÓGIO

Parou o relógio,
o tempo não flui
pendurado
nos ponteiros silenciosos.
Falta o bater das horas
a lembrar
que existimos
nesta correria louca
de fabricar vida
a olhar pela vidraça
da janela embaciada.
O pêndulo inerte
não descreve o meio circulo
em dança coreografada.
Parou nas doze horas
de um dia aziago
assim ficou  mudo e quedo.
Num golpe de saudade
foi consertado,
colocado no lugar.
Eis o guardião do tempo,
a lembrar dia a dia
a brevidade da vida
que se acaba
a cada minuto rodado.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

UIVA VENEZUELA

Viktor Vasnetsov

UIVA VENEZUELA

Paguem
pelas crianças que não nasceram
e as que morreram ao nascer.
Paguem
todo o sofrimento das mães
sem alimentos para os filhos.
Paguem
pelas lágrimas dos médicos
sem meios para curar pacientes.
Paguem
pelos velhos abandonados
apodrecendo
nas calles quentes da capital.
Paguem
pelas hordas de refugiados
não sabendo para onde ir.
Paguem
os corações a parar,
o choro sufocado,
a dor sem medida,
na ausência de soluções.
Paguem
o roubo da esperança,
dos sonhos,
do porvir.
Paguem
a negrura de um país
desfalecendo
em redor de uma bandeira,
de um hino,
de uma pátria  a soçobrar.
Paguem
as mentiras descaradas,
dos governantes indecentes
pisando sem escrúpulos
um povo moribundo.

QUESTIONANDO

Collado

QUESTIONANDO

Para onde vais
por essa vereda estreita,
a noite é cerrada
e a lanterna gasta.
Amor entornado
em dias iguais,
o frio arrefece
os batentes dos portais.
A vida enregelou
nas noites de espera,
empacotada em surdina
em fios de colchas de renda.

terça-feira, 17 de julho de 2018

SÁBADO


Collado
SÁBADO

Sozinha,
tomando o café
pós almoço
na esplanada
de sempre.
As conversas
das mesas vizinhas
entrecruzam-se,
um ruído característico
de gente que fala alto
cola-se aos ouvidos.
Difícil ler o jornal,
as notícias destacadas,
folheio o Expresso,
meia alheia, meia longe.
A tarde está farrusca,
não tenho mensagem
no telemóvel,
as gaivotas encostam-se
no portal.
Há menos turistas,
ainda sobrará cidade
para as gentes do Porto
habitarem.

ROTINAS


Collado
ROTINAS 

Às onze da noite
calam-se os vizinhos,
deixa de se ouvir
o arrastar de cadeiras,
as discussões sem sentido,
as horas a bater
num relógio antigo.
Aqueço café com leite,
como todos os dias
passo de canal para canal
à espera de alguma coisa
descolando as pestanas,
abrindo de espanto o olhar.
O aparador de castanho novo,
assiste imóvel,
ao frenesim da procura.
Não encontro o pijama,
a beberagem está fria,
o carro do lixo
começa a apitar.
Fala-se de futebol
em todas as estações
televisivas,
é sempre tempo de tudo desafinar.

DIA DE TEMPESTADE


Collado
DIA DE TEMPESTADE

O mar em fúria
explodindo em sal e bruma,
eleva-se do leito
e cresce, cresce,
submergindo o grande areal.
Ao longe encolhem-se os navios,
no ronco da tempestade,
a quilha descreve meias luas,
o negro do céu
anuncia mais vento, mais chuva,
empurrando os barcos
sabe-se lá para onde.
Sem solução à vista
concertam-se as comunicações,
Santa Bárbara nos acuda,
não há engenho que resista
quando a Terra se agiganta
semeando desespero.

terça-feira, 10 de julho de 2018

PAISAGEM MATINAL


Ana Cristina Dias
PAISAGEM MATINAL 

Acordar com a brisa da manhã,
abancar na mesa de pinho velho,
comer a fatia de tarte de maçã,
beber devagar
o chá de Lúcia-lima
traçado com leite magro.
Olhar pela janela baça
debruçada sobre uma tília majestosa,
vislumbrar os pássaros a planar,
sem pressas, sem contas a pagar.
Esfregar os olhos,
que preguiça santo deus.
E o trabalho? Que lembrança!
Pegar o autocarro da carris,
ir como sardinha em lata,
cumprir o horário,
as ordens do chefe,
sem direito a reclamar.

IDEIAS AMONTOADAS


Ana Cristina Dias
IDEIAS AMONTOADAS 

Palavras, sinais de pontuação,
figuras de estilo, inversões,
o navio a flutuar
no olhar da coisa amada,
mensagens trazidas por Mercúrio
nas suas asas de renda.
Pontios no céu por decifrar,
o verbo que não acompanha
o sujeito,
terça feira diluviana,
o ferro que não desfaz
as pregas do pescoço.
Textos em Inglês
indecifráveis e frios,
a humildade fugida
por imposição da vida.

UMA SALA


J. Valcárcel
UMA SALA  

No fundo da caixa negra
sob a janela
da pequena sala,
havia um mundo de fantasia,
e, por magia ou imaginação
de lá nasciam
todos os sonhos do mundo.
Nas longas tardes de estio
de sol abrasador,
servia aquela sala de refúgio
de caça ao tesouro escondido.
Eram moedas
do tempo dos reis,
socas de tacão
enfeitadas de flores e corações,
saias bordadas a vidrilhos,
corpetes apertados
com fios a ilhós.
Garrafas de vinho do Porto
perdidas em tempos idos
e um monte de cartas de amor
embrulhadas em papel pardo.
Nunca percebi a qual das tias-bisavós
pertenciam: se à Rosa se à Ludobina.
Aquelas senhoras de rugas vincadas,
sorriso baço,
solteironas sem escolha,
também amaram,
também sofreram de amor.