sexta-feira, 24 de maio de 2013

RETRATO DE FAMÍLIA



RETRATO DE FAMÍLIA

A minha mãe
quer de Verão
quer de Inverno
acordava cedo!
Os Invernos eram longos,
escuros, frios,
ela sentada na cama
aquecia as mãos
nas agulhas de tricot
com que compunha
malha a malha
as camisolas que nos confortavam
a caminho da escola!
O meu pai, calado,
de manhã cedo
lia o jornal diário
enquanto bebia o café quente
texturado com gema de ovo!
À noite era a reunião geral
todos sentados à mesa
em redor da panela velha!
Rescendia a sopa
de abóbora, cebola e alho
e alguma couve galega!
O prato principal
era muitas vezes:
bacalhau à espanhola
em lascas,
alternadas com cebola,
alho e salsa
e algum colorau,
tudo regado a preceito
com azeite transmontano
e um copo de vinho branco
americano!
Ficava por aí o repasto
o que vinha a seguir
era mais chato,
lavar a loiça
com esfregão e sabão,
rezar o terço,
lentamente,
repetidamente,
sem perceber muito bem
a função da lenga lenga
que nos fazia abrir a boca
de pasmo!

MISERERE DEI


Lima de Freitas, in: http://artexmultipla.blogspot.pt/
MISERERE DEI

Foi anunciado
com alguma pompa
e circunstância,
em todos os jornais,
com letras garrafais:
viragem política,
ou seria voragem?,
o PSD ganhou as eleições!
Miserere Dei!
Perdeu-se o futuro
começou a destruição
de um país fragilizado,
querendo muito encontrar soluções!
Miserere Dei!
Tudo, segundo consta,
programado
por economistas iluminados,
neo liberais,
político europeístas convictos,
desejosos de um cadinho
para experimentar
a eliminação do Estado Social!
Miserere Dei!
Estávamos aqui em sossego,
expectante,
numa ajuda fraterna,
sem darmos por isso,
puseram-nos o açaime,
arrastaram-nos para o abismo,
esperando dar o pontapé final!
Miserere Dei!
Não há pão
para pôr na mesa,
nem trabalho
onde o ganhar,
os velhos em soluços
encostam-se aos muros,
temem que a esmola
mingue cada vez mais!
Miserere Dei!
Quanto tempo durará o degredo,
o apocalipse do medo,
o susto,
a pobreza?
Miserere Dei!
O que será preciso
para nos livrar da carraça
que nos dá bem que coçar!
Miserere Dei!
Portugal é um campo de batalha,
as nossas armas o grito,
a praça pública o eco
da nossa inquietação!
Miserere Dei!
Que filosofia política é esta,
cheira a bafio,
não é esta a Europa que queríamos,
da solidariedade fraterna!
Miserere Dei!
Anjos da Guarda nos acompanhem
e se Deus não ajudar,
não atrapalhe ao menos
os encontros ao luar,
a esperança que ainda temos!
Miserere Dei!
Geração das lousas e ardósias,
que viram os dois lados da vida,
inventem uma nova História
sem vendilhões,
antes que nos esmaguem
com o peso das suas botas cardadas!
Miserere Dei!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

RETRATO DE UM POETA



RETRATO DE UM POETA

Luís Miguel Espinosa
auto intitulado poeta,
escrevia a sua poesia
à noitinha!
As palavras cruzavam-se,
interligavam-se,
dançavam na sua cabeça
e desciam pelos dedos,
falando de amor
ou de vidas,
conforme os dias!
Quando os políticos decadentes,
delirantes, caducos,
se perfilhavam alinhados
diante das câmaras televisivas,
em prime time,
o poeta, fodido,
empunhava a sua esferográfica Bic
e intervinha,
desmascarando cada mentira,
omissão, corrupção,
desses interesseiros, matreiros,
que nos empurram para o abismo!
Da Europa cega
e sem visão
recusava-se a falar,
mas, crucificava os agiotas
que, sentados em estofos de couro,
no décimo sétimo andar
em Wall Street, condenam países inteiros
à subsistência
enquanto enchem os bolsos
dos seus fatos Armani!
O povo, caro poeta,
anda cabisbaixo,
mas o futuro é tão grande
que congregará novas vontades
reescrevendo a História!
E acabaremos todos
os escrevinhadores de poesia,
diante da mesa colorida
da Democracia
onde o herói é Luís Miguel Espinosa,
dando voz ou vida
aos versos de intervenção!

AGUARELA


João Marrocos, in: http://2pintaroporto.blogspot.pt/

AGUARELA

Da Ribeira de Gaia
vê-se o mar
e madrugadas amanhecidas
em maresia!
O Zé Espichel anuncia,
em voz nasalada,
tardes sentadas na esplanada,
envolvendo pataniscas
e vinho verde Espadal!
Na esquina da rua ribeirinha,
a velha esquecida, vende doces,
em pregões cansados,
a turistas atarefados,
retendo tudo em fotografias!
Os barcos rabelos,
apressados,
sobem e descem o rio,
suspensos na maré alta
contemplando a cascata
que emerge do outro lado!
O vinho bebe-se depois
em copos de pé esguio,
ao som do pio das gaivotas
bordejando a água de ouro!
E um par de namorados
vende flores de pano
aos navegantes modernos
que enchem os velhos arcos!

quinta-feira, 9 de maio de 2013

HOJE



HOJE

Neste tempo de durezas
puseste uma gravata cinza,
camisa branca,
sapatos de verniz,
calça justa, bem vincada!
Criaste uma atmosfera rara,
lúcida, brilhante
e tudo cheirava a jasmim!
Curvaste-te devagar,
e colheste no jardim
uma rosa vermelha
que ajustaste à lapela!
Pensaste que assim polido
terias o meu amor,
mas, ninguém o obtém,
sem suor,
sem tormentos,
sem madrugadas sofridas!
São precisas manhãs encarnadas,
rios de vidro,
potes escurecidos com vinho,
fermento,
margens de desejo
e poesia!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

DESCONHECIMENTO



DESCONHECIMENTO

Há lugares em ti que desconheço,
aros de festas, cilíndricos,
onda de festas para nós,
palavras escapadas sem inocência
que derrubam sem recurso
altares de egos frágeis,
não convencionais,
sentenciando hibernação,
deixando de adorar-se
os deuses construídos pelas nossas mãos!
Nestes momentos difíceis
há um campo imenso
as macieiras floridas,
os mirtilos negros,
as roseiras por podar!
O fogo da lareira,
a trepidação da lenha,
uma menina suspirando,
uma chávena de chá quente, aromático!
O luar que entra
para voltar todos os sonhos
ainda por concretizar!

NUMA NOITE



NUMA NOITE

A noite cai
a penumbra aparece,
o silêncio desce
nos degraus do teu corpo
que é mortal,
com uma vontade imortal
de redimir todos os pecados!
As nossas mãos
são tantas mãos
a conhecer-se do avesso,
nada se repete,
nesta noite intensa
em que o meu é teu
e o teu é meu!
O longo abraço
não é amarra do braço
que toca o meu!
Cruzam-se os olhares
percorrendo a paisagem do quarto
demasiado pequeno
para conter as emoções!
A lua esconde-se,
a noite dissipa-se,
estamos sozinhos
diante da eternidade!