quinta-feira, 5 de maio de 2011

ENCONTRO

J. González Collado
Telefonas-me tu?
Telefono-te eu!
O encontro é às três!
Quem sabe?
Talvez!
Partilhámos o universo
num grande e sentido
abraço,
apertamos as mãos frias
neste calor repartido!
Que é feito dos teus?
E dos meus, também!
Tudo bem por agora!
Olha o chá que arrefece,
as bolachas de amêndoa
e canela,
há muito que esperam,
na mesa posta, da festa!
Que lindo que é o vestido
que trazes hoje contigo!
O vento amainou
o dia emudeceu
e horas incertas
alguém as levou!

O TEU CASACO

J. González Collado
Tenho tanto frio amor,
neste Outono molhado,
deixa-me, por favor, enrolar no teu casaco,
respirar no teu calor!
É de tweed cinzento
e aquece este momento
num forte e longo abraço,
num querer-nos assim tanto
ligados pelo casaco!!
E eu guardo para mim
esta sensação tão boa,
de sermos um
sendo nós dois,
no umbral de uma portada,
debaixo do mesmo casaco,
numa fria madrugada!
Ligados pelo casaco
numa fria madrugada!

NAS PALMAS DA MINHA MÃO

J. González Collado
Nas palmas da minha mão
as rosas estavam desfeitas
perdida a sua cor rubra,
não deixaram a sua marca
na nossa rua deserta!
Ficaram cem pinheiros mansos,
cem abetos doridos,
cem proteas brancas, tristes
enfeitando cem pontes de lua,
no espaço dos dias breves
que encheram as nossas vidas!
A lua cai devagar
na curva do horizonte,
trocando este lugar
por terras virgens, distantes,
com novas janelas nos sonhos
e frutos pendurados na neblina!

NASCIMENTO

J. González Collado
Nasce um verso de citrinos
e cordas em novas guitarras,
nasce um beijo em cada esquina
e ondas a oferecer poemas!
Ressurgem alquimias antigas,
em vasos contemporâneos,
pintadas por uma fada,
com palavras libertadas!
Abrem-se portas fechadas
a cavalos lusitanos
que oferecem no olhar
Primaveras despertadas!
Num jardim adormecido
em cestos de sonhos reais
nascem as rosas, os lírios
e ainda alguns sorrisos
com pétalas de madre – pérola
que se ofertam
a quem os quiser aceitar!

PAISAGEM SENTIMENTAL

J. González Colado
Rios de suor
leme em lume
cais onde o lodo reveste
qualquer desejo perene,
o barlavento assustado
e o gado desassossegado
neste fim do mundo
ausente,
águas salobras
que afectam os narcisos
gritos de uma voz desasada,
quilhas de barcos do tempo,
relógios de sol parados,
gargantas sequiosas
nos espaços inacabados,
destinos densos,
sílabas encadeadas
em amores finados,
frutos com lábios magoados,
cavernas abandonadas,
facas, gumes, queixumes,
poemas, livros, estantes,
e cada vez mais distante
o amor que se sentiu um dia!
Demónios mordidos,
vampiros caídos,
loucuras pensadas,
preces, risos e terços
presos em cada sermão
na triste procissão
do Senhor dos Aflitos!
Siso, choro e lamento
em ais de cais esquecidos,
filhos de um tempo esgotado
num estendal dependurado
nos quatro cantos do medo!
Momentos únicos do ano,
muros sentados na vida,
arpões, peixes castrados,
pátrias de bocas safadas,
monções, recordações,
porões, aleijões,
no adeus desesperado,
sem sentido e sem passado
ao amor que deixou de ser sagrado!

Maria Olinda Sol

sábado, 30 de abril de 2011

DIA PERFEITO

J. González Collado

O dia era perfeito
a festa era a esperada:
anões, duendes, adivinhos,
feirantes, curandeiros, amantes,
e, um terreiro de turbantes
cantando a cidade esquecida!
Depois de muito comer:
frango, enchidos e pão,
depois de muito beber:
palhete, água-pé, e tragos de água ardente
de medronho,
sentamo-nos nos regaços
e demo-nos abraços onde cabia o nosso mundo!
Nos teus alongados braços
companheiro, esteios de milho e sargaço
construi neles a vida
e fiz lá a minha casa
ninho onde se esquece o cansaço!
Ai surpresa de fim de tarde
olhando estrelas cadentes
que riscam o céu de luz,
em hora de aroma a cravo
espalharam-se mil brilhantes
nos cabelos do Atlântico
e confirmaram o ditado
“Todo o amor é ardente”!

FEIRA DA MINHA INFÂNCIA

J. González Collado

A feira da gente da minha aldeia
era à segunda-feira!
O Domingo prolongava-se
num ritual atarefado –
- separar a roupa da arca:
saia de merino preto,
a blusa de chita florida,
o lenço verde estampado,
afagando o cabelo negro
apanhado com ganchos de osso
dourados,
a chinela de tacão
e uma saca de pano bordada
à mão!
O dinheiro não chegava
para a carreira,
ia-se a pé,
em ranchadas
de belas candidatas a namoradas!
Pelo caminho
cantava-se ao desafio
canções de trabalho
suadas!
Comprava-se o que as leiras
não davam:
o bacorinho, o vitelinho
as fazendas para o bragal,
o enxoval de mancebo
que ia a sortes
naquele ano,
os ouros
para as moças casadoiras,
os docinhos de amor
repartidos ao serão!
Os cheiros inebriavam:
fruta, melaço,
o borbulhar da solha frita,
as ervas de cheiro
escolhidas a dedo,
os chás de camomila e cidreira!
Uma leve troca de olhos
anunciava
companhia para a caminhada,
o rapaz com grande lábia
declarava-se
com frases muito alinhadas!
O fim da festa era triste
e cansado
terminado o sonho
que levou uma semana inteira
a encenar!

PEQUENO-ALMOÇO DE DOMINGO

J. González Collado

O Domingo era de amoras,
dispostas por sobre a mesa,
numa geleia gelada,
barrando a fatia escura,
do pão cozido de madrugada!
O leite quente aguçava
a vontade de provar
aquela brancura perfumada
com canela e
pedaços de maça!
O queijo salgado de cabra
rescendia,
em tosta estaladiça,
preparando o paladar
para os figos
pingo de mel,
servidos com o orvalho
da manhã!
O cheiro a café era intenso
caindo de um saco surreal
e as dores morriam
no repasto matinal!
E a família reunida
deitada nesta ternura
fazia parar o tempo
e dava graças à ventura
de poder saborear
esta refeição divinal!

TOADA

Patrícia Filardi



Rezo neste dia cinzento
a todos os fiéis sentimentos
que atravessaram espadas
que conquistaram o mundo
e acabaram em mansardas
no fim do esquecimento!
Vencidos os oceanos
com baionetes em riste,
as negras desenlaçavam suas vestes
garridas,
lentamente,
caindo na areia molhada,
em ritmo de batucada,
e acordes de fados tristes!
Beijos chorados,
mãos cravadas,
bocas acorrentadas,
amores frustados,
e o desejo saciado
ficou naquele bocado
duma praia do Nordeste!

QUERER

Entre dois sorvos de café,
o instante que estava à espera,
ali ao pé,
de algo incandescente,
ficou-se por um tímido sorriso
e pensou que era melhor
ter juízo,
e deixar as tentações
amarradas  a estrofes de poesia!
Mas o querer engenhoso
entrou pelo peito dentro
e fez finca pé,
deitou – se no meu sono
e fez – me sonhar contigo!