terça-feira, 18 de junho de 2013

RELÓGIO


RELÓGIO

O relógio é sempre o mesmo,
grande, imenso,
empurrando o tempo,
empurrando a vida!
Acorda esta casa,
impreterivelmente,
às sete horas, TMG,
sem dó, nem piedade!
Não tem em conta
este sono mal resolvido,
o travesseiro que agarra,
a tua mão que afaga!
Os ponteiros negros,
espetados,
estão sempre tão apressados
de chegar ao outro dia!
Pelo toque do relógio
sou lançada
no mundo robotizado,
onde tudo tem hora certa!
Poder parar o relógio,
rasgar todas as fronteiras,
e almoçar com decência,
neste dia, de Primavera, molhado!
Saciar, devagar, a fome,
nas brumas do nevoeiro,
sentado nas varandas do rio,
deste denso Porto velho!

FLASH


José Eliseu, in: 2pintaroporto.blogspot.pt 
FLASH

Do outro lado da avenida
um homem estranho,
atarefado,
acenava
e eu respondia sorrindo!
Entre ele e eu
não havia só a distância de uma rua
mas toda a distância do desconhecimento
e no entretanto eu sorria!

quarta-feira, 12 de junho de 2013

PORTUGAL


Alberto D'Assumpção, in: http://dassumpcao.blogspot.pt/
PORTUGAL

Por detrás da perra canela
perfilhado no fundo da Europa,
guerreiro ancestral
sem viseira,
ingenuamente deixando-se
imolar,
por quem vê em nós
mais dez milhões de consumidores!
Envolvido pela neblina
que sopra dos mares dos Açores,
não respira a solidariedade
de quem semeia atoleiros
que não queríamos cá!
Que feio pormo-nos de joelhos
diante do capital!
Sugam-nos, de olhos cerrados,
os proventos tão suados
da jornada laboral!
Tomam decisões,
discutem, opinam,
não explicam porque nos empobrecem
do alto da sua sabedoria
liberal!
Avança a fome
servida em pratos de cristal,
desinfectados,
inspecionados,
visionados,
pelas normas do mercado global!
Pugnemos pelo nosso direito
a carne de porco preto
tostada em brasa quente!
Canecas de cerveja fresca
passando de mão em mão!
Somos filhos de Deus,
queremos cordeiro assado
com batatas e hortelã,
tarte de nozes e coco,
escolas com gerânios à janela,
professores pulando nos recreios,
operários laborando pela manhã!
Venha o mundo novo,
outros dirigentes,
outras leis
e um povo pensador
empunhando liberdade
nas bandeiras desfraldadas
gritando nas janelas de cada casa!

SAUDADE



Saudade
O meu avô
tinha umas mãos grandes
que aqueciam as minhas
nas manhãs de Outono
quando subíamos ao pinhal
para colher as últimas amoras,
matéria prima
da compota doce, escura,
pegajosa,
que barrava generosamente
o pão amargo de centeio!
Tinha curiosidade,
eu um pequeno fedelho,
em relação a tudo:
o cheiro molhado da terra,
o arado a rasgar a leira,
o chilrear da passarada,
a água a correr na caneja!
Enquanto se desviava a água
para a rega,
brincava com o relógio de bolso,
do avô Manel,
adiantava os ponteiros
para que chegasse depressa
a merenda!
Numa toalha improvisada de folhas,
retirava-se da cesta de verga:
pão, azeitonas, tiras de presunto
e um pichel de vinho tinto!
No fim do dia, cansada,
os meus braços ainda transportavam
as azedas,
com que a minha avó fazia a açorda
para a ceia!