segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

MENINICE

MENINICE

Já tive oito anos,
andava aí pela terceira classe
com a D. Alice à perna,
aguentando as reguadas.
Gorduchinha com ondulado
de permanente, a quente,
não sei como aguentava
a miséria escrita nos corpos
e no olhar dos seus alunos .
Pegava-se a falta de tudo
à sala fria e triste,
sem recursos, sem flores.
Pequenos éramos e tão maduros
dividindo pelos outros
a pouco merenda que levávamos.
No recreio infantis e crus
empurrando os demais
em lutas desastradas.
A diferença entre nós é que
uns tinham sapatos,
a maioria socos, alguns
os pés descalços e frieiras
sobre o lajedo frio
da velha e cinza escola.


Amália Soares

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

PENSAR



PENSAR

Os pensamentos são cerejas
quanto mais pensámos
mais o pote herdado 
da sabedoria da minha avó,
enche.
Questiono-os,
levo à boca
um cálice de um Porto velho,
o que combina melhor
com cerejas e pensamentos?
Pensar é fazer sair sentimentos,
desejos, abstracções,
não sendo necessário catalogá-los,
ordená-los, colocá-los em papel .
Pensa-se e pronto.
Jogo de palavras e alma
satisfazem per si.
Olho o dia longo, chuvoso,
cinza e um pouco triste.
Não vislumbro a anunciada Glória
com ventos a arrastar tudo
contra todas as vontades.
O que provoca esta depressão
e a humana?
Outros pensarão por nós
e encontrarão a solução.
Pensar faz avançar.

José Gonçalves Collado

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

VOAR

Maria da Glória

VOAR  

Quando era menina
a noite tinha sonhos dentro,
alada voava
sobre o riacho da aldeia
pejado de nenúfares e rãs.
Às vezes caíam-me as asas
e aterrar era medonho
com tracção aos dois pés.
Ao ser perseguida pelo vilão
saltava o coração,
as rezas ensinadas pela religião
não funcionavam,
batia repetidamente as asas
e nada.
No último segundo antes
de ser torturada
arranco em velocidade, e voo,
deixando de boca aberta o paspalhão.
Tudo se passava fora da hora
do expediente,
em noites mágicas e quentes.



sábado, 11 de janeiro de 2020

PROCESSANDO


 PROCESSANDO

Pondo de parte
a sordidez do mundo
onde tudo se confunde
e o comum dos homens
nada vale,
onde no corre corre,
na labuta diária
para sobreviver
nos esquecemos de pensar,
 se o fizéssemos
éramos tão grandes
que quem ficaria de mãos vazias

JOGAR COM AS PALAVRAS


JOGAR COM AS PALAVRAS

POEMA 4  

As amigas que com ela tomavam chá
de lúcia – lima, todas as sextas feiras,
tornavam à vida diária
com a iris colorida de azul,
desenvolviam olhares arriscados
donde nasceram casos
com homens confundindo a vida
com olhos azuis.

POEMA 5  

Quem conhece de facto
as raparigas?
Fazem tudo para atrair o macho
e depois cansam – se.

POEMA 6  

Fala comigo
nem que seja
para nada dizer.
Depois do Inverno
vem a Primavera,
as ameixieiras de branco
florirão
para enfeitar os cabelos
das donzelas sonhadoras.

POEMA 7 

Como se chama
quem cegou o coração
e lhe deixou uns óculos
escuros dependurados ?

POEMA 8 

As pérolas
caem no veludo negro,
depois de usadas
são de um branco enfarruscado.