quarta-feira, 23 de agosto de 2017

INSÓNIA


Sílvia Marieta
INSÓNIA  

Caídas as portadas
das janelas da noite,
sossegados os ventos do leste,
assanhados,
nascem as insónias,
o sono é uma falácia.
Sonhos acordados
ajudam o tempo a passar.
Nada-se em mares
encapelados,
os lábios roxos
vão de encontro a peixes desnorteados,
percursos sombrios
ajustam-se à realidade.
Agarrada à ré do barco
inicio a viagem,
as mãos feridas largam-se,
a neblina cega,
o sal enrola-se na língua.
Fico no molhe
sem louvar a partida,
Ah mente fugidia,
arranhando o corpo,

olhando o horizonte distante.

SAUDADES


J. Valcárcel
SAUDADES  

Não te vejo
sentada nessa cadeira
esquecida no jardim.
Tenho saudades
das sestas dormidas
no decadente cadeirão,
lado a lado.
esquecendo tudo,
o que estava fora do muro.
Era bom o equilíbrio,
a natureza esplendorosa
rompendo a terra
escura, húmida.
Estranho, não te ver,
ainda ontem, juro,
estavas lá,
esperando o chá
com rodelas de limão.
Vida multiplicação de factos,
sendo nós adultos,
sofremos as consequências.
O resto particularidades,
o soa aquecendo pouco,
a dureza da existência,
a caminhada tidos os dias

no passadiço cercando o Douro.

PASSOS NO DIA

J. Valcarcel

PASSOS NO DIA     

À noite, devagar, com tempo,
recolhidos os passos árduos
de um dia desgastante,
o vento sabe a mar,
os pinheiros oferecem frutos.
Os bichos gemem adormecendo,
recolhem-se os últimos cestos
de neblina,
fecham-se as portadas da alma,
come-se percebes frescos
apanhados nas pedras do molhe da praia.
Cada sílaba proferida
é assente no livro do dia
sem stress, sem amargor.
Fervilham no cérebro memórias,
Apaga-se a luz rasante,
a pele arrepia-se,
aos olhos resta esperar a maré cheia
frapeando a porta da entrada

na madrugada ainda por acontecer.

PARTILHA

Collado

PARTILHA 

Partilham-se os poemas
como na igreja se partilha o pão
na hora da comunhão.
Deixa-se o azedume vir à tona,
o vinho jorrar  nos copos,
o amor explodir no olhar,
planar  perante o prazer
de dar, de comungar.
Ouçamos os outros
não queiramos o troféu do verbo
só para nós.
Deixe-se o caminho
tomar todas as direcções.
Fechados outros sentidos,
cegos, mudos, sem cheiros
ou sabores
que a palavra seja o divino,
o sagrado, o barco pronto a navegar.
O banquete prometido,
o livro riscado,
resposta a dilemas antigos,
o verde do mar límpido,

após uma tempestade de lírios.