sábado, 28 de janeiro de 2017

PACIÊNCIA

José Gonzalez Collado

PACIÊNCIA  

Encostada à parede
do café velho
esperando mesa,
derrete-se a vontade
de provar a especialidade;
croissant francês com chocolate...
Ainda há pouco hibernados
num Outono suave,
decretado pelo calendário,
pássaros alados, não migrados
prontos a que o Inverno
se assemelhe a um comboio
com o ritmo controlado.
Que se passa?
Espero que a nuvem passe,
atravesso o passeio,
entro na pastelaria ao lado.
é boa a opção
para tomar o pequeno almoço

sossegada.

PRAIA


José Gonzalez Collado
PRAIA  

A areia fina
massajando os pés
na praia antiga
a que chamam Lavadores.
O sol queima corpo e alma.
Na linha curva
do horizonte
um barco espera
a estrada no porto de Leixões.
O anel de coral
colocado no dedo mindinho
roda e roda,
como o mundo à nora
sem rumo e sem voz.
A neblina desce pelo fim da tarde,
escurece a lua cheia,
queda-se
molhando a paisagem,

afastando-me do mar.

MOMENTO


José Gonzalez Collado
MOMENTO

Estou aqui na minha casa,
a casa sou eu, branca e lúcida,
com espelhos onde me vejo,
vejo outros  mais além.
As roupas, os sapatos,
as malas e outros aparatos,
no guarda fatos aberto.
Aqui me interrogo
sobre o céu, as fontes,
os dias sombrios, os iluminados.
O sol nasce, põe-se
nos mesmos pontos cardeais,
é sempre bom lembrar
o começo e o findar
da vida, dos sonhos.
As janelas são largas
emolduram a paisagem,
o verde dos campos,
o voo dos pássaros.
O verão que teima em chegar,
o teu regresso duvidoso,
 a mina que rega a horta,
as minhas mãos cruzadas
antes que a caneta me tome
e saia um poema inocente
com lágrimas, gargalhadas,
amor, desamor,

vento a tropeçar nas palavras.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

LENDAS


José Gonzalez Collado
LENDAS

Nas noites de lua cheia
descia pelas ruas da aldeia
um cavalo branco, sem freio,
montado por uma donzela
nua e bela.
Havia quem os visse
descrevendo-os
com alguma precisão.
A uns aguçava a curiosidade,
a outros  fazia confusão.
A maioria recolhia
pelas Avé Marias
e nem pela janela espreitava
para não dar de caras
com tal bizarra aparição.
Nos sonhos, era outra coisa,
queriam cavalgar a seu lado,
conduzi-la  acelerados

até à estrela Polar.

SERÕES DA ALDEIA

José Gonzalez Collado

SERÕES DA ALDEIA  

Em dias de desfolhada,
as velhas escolhiam
os melhores lugares
para espiar a moçada
em idade namoradeira.
Havia cavaquinhos à mistura,
vinho quente, aguardente,
castanha assada.
Contavam-se histórias
hodiondas:
mulas sem cabeça
procurando virgens
pelos fins de tarde sombrios.
Mortos perseguindo donzelas
que se atreviam a sair de casa
em noites de tempestade
Formava-se um nó
à volta do pescoço,
impunha-se um silêncio
sepulcral.
Não percebia o porquê
destas histórias contadas
sem qualquer pudor
diante da criançada.
Ou era um sexto sentido prático
evitar que a rapaziada
tivesse encontros fortuitos
fora de casa.

É BOM TER UM AMIGO


José Gonzalez Collado
É BOM TER UM AMIGO

Bate o teu olhar no meu rosto,
o coração logo se adensa
na vontade de abraçar-te.
Ah meu amigo fiel
sempre querido por mim
desde o alvorecer de nossas vidas
até ao outono
a que estamos confinados.
Chegou o frio na hora certa
empalidecendo as forças,
domando os ímpetos.
É um sossego ao fim da tarde,
silenciosos os chás quentes,
desaparecendo com a noite o colorido
das estrelícias que tanto gostámos.
Somos frágeis, meras criaturas,
complexas, lendárias,
agarrados muitas vezes

ao que não se justifica.

UMA ALDEIA NO SÉCULO XX


José Gonzalez Collado
UMA ALDEIA NO SÉCULO XX  

A aldeia era bordada de pinhais
perto de uma grande cidade
empregadora dos jovens
em idade laboral.
Entre a cidade e a aldeia
havia um muro a reparar,
falta de escolaridade,
a igreja a travar
qualquer rasgo de liberdade.
A mente fechada do país
vergava a cabeça a vizinhos,
parentes e autoridades locais.
A missa era obrigatória
e o confesso
pelo menos na semana pascal.
As velhas sobretudo as encalhadas,
as urdideiras da sacristia
escarafunchavam as vidas,
entendiam-se nos adros
antes do oficio sagrado.
Tudo saía nos conformes,
o pedido de namoro,
diante do sisudo pai da moça
em idade para tal.
Namoro era em dia marcado
sentados ao lado da mãe
travando algum excesso
do rapaz atrevidote
Até que um dia, o moço cansado
de tanta esperar uma intimidade
com a noiva,
lá casava.
Vinha  o tio do Brasil
e a prima concierge em França
o padrinho tasqueiro
num bairro junto da Sé,
sobranceiro ao rio.
Ia-se a pé para a igreja
despejando confetis no chão
que a pequenada apanhava
guerreando-se entre eles.
A partir daí a noiva era toda do noivo
até que a morte a libertasse.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

UM DIA MAIS DE OUTONO


José Gonzalez Collado
UM DIA MAIS DE OUTONO

No canto do jardim
um apinhado de folhas rubras,
o vento já sem força
não as levou.
São tapetes fofos embalando
pensamentos vãos.
Parte do todo,
a liquidez sobrante
passada a clareza
do último Verão.
Setembro foi o mês das vindimas
na ramada densa
sobre o quinteiro
da minha avó.
Os adultos armados
com tesouras de poda
rasgavam o cangaço,
sujavam as mão.
A pequenada desajeitada
a elas estava destinada
apanhar os bagos do chão.
Os ventos vão soprando
anunciando chuva,
que seja pouca
para não estragar a colheita.
No fim da apanha
celebrando a faina
dança-se, canta-se,
come-se, bebe-se
sem qualquer moderação.
Pela noitinha
o cansaço dos corpos anuncia
o fim desta labuta calendarizada.
desde o ano que findou.
Aguarda-se o Novembro
para abrir a bica,
provar o verdasco,

comer as primeiras castanhas.

REMEMORANDO

José Gonzalez Collado

REMEMORANDO  

Deixo o dia esvair-se
defronte do mar,
desperta no ocaso
uma neblina cortante,
penetrante,
transportando o corpo
a um desequilíbrio,
calor, frio.
Não  sei se vou  pensar
num fim de tarde vazio
ou em algo mais comovido,
recordações de um álbum,
momentos vividos,
conscientes, sentidos,
em redondas ondas

saídas da vida.

PROMESSA


José Gonzalez Collado
PROMESSA

Um dia,
um dia quem sabe,
mais tarde,
havemos de falar
Exorcizar as mágoas,
perdoar.
Fazer das vivências
atrasadas
oásis
no meio dos desertos
áridos.
Estruturar
se puder ser
os nossos quereres,
a voracidade
com que tentámos viver.
Nada se resolve
reescrevendo hoje
o ontem que já passou.
Na verdade,
numa linguagem clara,
é só dizer,
aqui estamos sempre

prontos a continuar.

MARIA


José Gonzalez Collado
MARIA  

Saíste do mistério do nascimento
caíste no mistério da vida.
Pronto, aqui estás.
Não era essencial nascer,
de qualquer modo, eras já,
uma centelha da natureza.
Bem lá no fundo,
alguém quis que nascesses,
fez força, suou,
para te parir.
Pôs-te laços no cabelo,
providenciou escola,
livros,
traçou-te um rumo.
Sacou de ti
o dia do primeiro beijo,
a leveza do amor
pairando no ar.
Ah menina
assim diante da vida,
vai em frente, inventa,
maquilha a chatice
das ferroadas,
continua, para além da idade,
a guardar em poemas
os sonhos,

as desilusões inesperadas.