terça-feira, 15 de dezembro de 2015

TEMPOS NOSSOS

José Gonzalez Collado

TEMPOS NOSSOS 

Nestes tempos conturbados
provocados
por interesses instalados,
respeitemo-nos,
festejemos a existência,
veneremos o Universo
com a mesma insistência
e pressa
com que nascemos.
Não deixemos nada
interrompido,
vivámos
construámos a nova História
com o mesmo gozo
com que partilhámos
as festas, as viagens,
os aniversários.

A VIDA PASSA

José Gonzalez Collado

A VIDA PASSA  

A vida passa
ao som dos segundos,
dos minutos, das horas,
dos  dias que nem sempre
nos pertencem.
A vida passa
fazendo nós muito
ou nada.
A vida passa
contemplando nós árvores,
pássaros, estrelas,
ou largando bombas
sobre os povos indefesos.
A vida passa
sendo nós terroristas
ou combatendo com precisão
a besta humana.
Lembremos as horas breves
celebrando com os amigos,
a família,

o facto de estarmos vivos.

DIA A DIA DE DOIS VELHOS VIZINHOS

José Gonzalez Collado

DIA A DIA DE DOIS VELHOS VIZINHOS  

Os dois vizinhos, cada dia,
pelo fim da tardinha,
juntavam-se na Adega do Olho.
Bebiam neguinhos
saciando a sua ancestral sede,
comiam pataniscas salgadas
que pediam mais copinhos.
Pegavam no tabuleiro de damas,
meticulosamente,
tentando sabiamemte
comer a pedra do parceiro.
Lá fora brigavam os bêbados,
os rufias distribuíam sopapos,
os vendedores  esganiçados
discavam os palavrões usuais.
Nada distraia os vizinhos
a não ser a discussão
sobre o seu clube do coração,
o seu glorioso Porto.
Para eles, tudo isto,
são blocos de tijolo
colocados no grande jogo da vida.
Chegando a casa
riscavam do calendário
mais um dia passado

numa rotina ritualizada.

TRIPEIROS



José Gonzalez Collado
TRIPEIROS

À noite perdemo-nos, tu e eu,
nas ruas da cidade silenciosa
sem ruídos é melhor observada.
Cada canto é um encanto,
azulejos, varandins de ferro forjado,
tectos ilustrados,
escadarias de pau Brasil,
janelas recortadas,
linguarejar dos nativos,
vogais fechadas,
vozes gritadas,
profissões humildes,
mas sempre, sempre
a carregar a cidade.
Mesmo quando a cidade
era velha, decadente,
ficaram,
gerindo os tascos,
pensões manhosas,
eram vendedores ambulantes,
esperando

que ela ressuscitasse.

ADEUS

José Gonzalez Collado

ADEUS  

Num dia de Outono,
chuvoso,
abri-te a porta de casa,
com toda a boa vontade,
para nos sentarmos,
conversarmos,
resolvermos a nossa vida.
Às vezes,
tenho destas gentilezas.
Tu de cara amarrada,
não quiseste saber de nada.
Quem fez de mim, palerma?
Para que queria eu entender
o que não tem entendimento.
Ainda te fiz um café quente,
despedi-me ali, sem tempestade,

para sempre.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O INVERNO

Jose Gonsalez Collado

O INVERNO

O Inverno
não tarda em chegar,
hoje é menos certeiro
com o calendário.
Há coisas que não mudam,
o sol esvai-se,
as noites são longas,
há mais tempo para pensar.
As compotas alinham-se
nas prateleiras da despensa.
Os campos estão cheios de penca,
O Natal está à porta,
tira-se da caixa guardada
as personagens do presépio,
monta-se a circunstância terrena
para o Menino voltar a nascer.
A mim,
nada disto me é indiferente,
o calor da lareira, as rabanadas,
os postais de cadentes
a desejar Bom Natal.

UMA TERRA ANCILOSADA

Jose Gonsalez Collado
UMA TERRA ANCILOSADA

Pequena aldeia antiga
num vale entre montanhas,
tão perto e tão longe
da cidade grande,
de repetidos modos de ser,
de estar, de viver.
A mudança é pouca,
espaçada,
os rituais sucedem-se,
as comadres falam,
falam abertamente
de quem não cumpre
o circunscrito à moral da família
Sempre fui muda
às orações repetidas,
às confissões marcadas,
à obediência porque sim.
O meu olhar ia além,
queria espaços sem cercas,
ruas largas,
o pensar por, mim,
lutar pela sagrada Liberdade.

DIA SURREAL

Jose Gonsalez Collado

DIA SURREAL

Passa na rua
o Luís apressado,
não existe trânsito,
não existem pessoas,
a cidade parou,
o Luís silenciou,
olhou o céu
possivelmente
à procura de um fenómeno,
uma aurora boreal.
De resto, a cidade
continua igual,
os mesmos prédios
estruturados no século XVIII,
no século XIX,
as mesmas ruas estreitas,
o comboio partindo,
o cego pedindo
numa esquina de S. Bento.
Fora este interregno,
há barulho, confusão,
os turistas a achar
tudo o que é de ver,
o sapato cansado
a calcar as pedras gastas,
o trabalho, o ar marítimo,
o rio a acenar

querendo deitar-se no mar.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

LIVROS


Jose Gonsalez Collado
LIVROS  

Ao cair a noite
fecho as janelas,
as persianas,
acendo as luzes,
é sempre dia e verão
dentro da minha casa.
Folheio um livro
onde perpassa
um intenso mistério,
vivo nele,
por um tempo,
como se fosse o ventre
da minha mãe,

confortável e cheio.

SEXTA-FEIRA, LUA CHEIA

José Gonzalez Collado
SEXTA-FEIRA, LUA CHEIA  

Hoje é dia de lua cheia,
Sexta-feira, Outono frio.
Penso: logo vou ter contigo,
ver uma fita de autor
num comum cinema
de um centro comercial.
qualquer.
Percorro a tela,
vou de barco à vela
até à Venezuela
jantar banana assada
e arepas com chili
e muita malagueta.
Coloco no teu prato
fatias grandes de ananás
são tão doces e ácidas
equilibrando o prato
que repastámos em comum.
A fita acaba,
rodámos como o filme,
na noite agoirenta,
amanhã é sábado,

tudo acabou e tudo recomeça.

TU E EU

José Gonzalez Collado

TU E EU  

Sorris
e os teus dentes brancos
brilham
como pérolas doces
criadas com precisão
num viveiro controlado.
Ando só por andar,
para te acompanhar
sem que dês conta
até ao café pequeno,
de bairro,
onde tomas sistematicamente
o teu café
depois do almoço.
Sento-me na mesa
ao lado da tua,
como tu, peço um café
e um pastel de nata.
De soslaio, olhei-te
penso ainda
meter conversa,
absurda ou natural.
Esta timidez é coisa minha,
fico-me ali, morcão,
deixo-te partir
mais uma vez
sem sequer te cumprimentar,
sozinho,
com uma intensa vontade

de te beijar.

A CRIANÇA, O PALHAÇO, BOLAS DE SABÃO

Berta Saball

A CRIANÇA, O PALHAÇO, BOLAS DE SABÃO

Na rua de Santa Catarina
das Flores,
um palhaço pobre,
lançava bolas de sabão
sobre as crianças
numa tarde brilhante,
estranha, outonal.
Este gesto
nada tinha de grandioso,
no entanto,
fez daquele dia,
um dia feliz, natalício,
a criançada que passava
só queria entrar no balão
translúcido
e pousar no mundo do sonho…

DIA A DIA DE UM CIDADÃO COMUM

Collado

DIA A DIA DE UM CIDADÃO COMUM  

Acordar, levantar
fazer uma torrada apressada
engolir um café quente,
pegar na mochila,
bater a porta com força,
atazanar os ouvidos da vizinha
que se irrita com barulhos.
Não recorda a noite passada,
toma o metro,
azeda a conversa
sobre política
sem critério,
Senta-se na secretária,
alinha os dossiers
de números exactos.
Ao meio dia
come uma sandes,
bebe um expresso
de uma máquina pouco fiável.
Pelo fim da tarde
olha o relógio herdado,
sente o frio que se pôs.
Chega a casa transido, cansado,
aquece a pizza no forno,
risca no calendário as horas mortas,
pega na viola
cria uma nova melodia,

a noite aquece, a lua adormece.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A PEREIRA

Collado

A PEREIRA  

Aquela pereira imponente
no canto esquerdo
do campo de cima,
tem frutos maduros,
prontos a cair
se não forem colhidos.
Somos como aquela árvore
plantada pela minha avó
Maria
que a cuidou
com a mesma destreza
com que nos limpava
o ranho do nariz
nas noites longas,
frias, de Inverno.
O que se acrescentou hoje,
é que alguém a cortou,
sem dó, nem piedade ,
ensombrava a cozinha
remodelada.
Em todos os pomares
da minha cabeça
haverá sempre
uma pereira úbere
com frutos doces e dourados

para se comer à merenda.