sábado, 30 de abril de 2011

DIA PERFEITO

J. González Collado

O dia era perfeito
a festa era a esperada:
anões, duendes, adivinhos,
feirantes, curandeiros, amantes,
e, um terreiro de turbantes
cantando a cidade esquecida!
Depois de muito comer:
frango, enchidos e pão,
depois de muito beber:
palhete, água-pé, e tragos de água ardente
de medronho,
sentamo-nos nos regaços
e demo-nos abraços onde cabia o nosso mundo!
Nos teus alongados braços
companheiro, esteios de milho e sargaço
construi neles a vida
e fiz lá a minha casa
ninho onde se esquece o cansaço!
Ai surpresa de fim de tarde
olhando estrelas cadentes
que riscam o céu de luz,
em hora de aroma a cravo
espalharam-se mil brilhantes
nos cabelos do Atlântico
e confirmaram o ditado
“Todo o amor é ardente”!

FEIRA DA MINHA INFÂNCIA

J. González Collado

A feira da gente da minha aldeia
era à segunda-feira!
O Domingo prolongava-se
num ritual atarefado –
- separar a roupa da arca:
saia de merino preto,
a blusa de chita florida,
o lenço verde estampado,
afagando o cabelo negro
apanhado com ganchos de osso
dourados,
a chinela de tacão
e uma saca de pano bordada
à mão!
O dinheiro não chegava
para a carreira,
ia-se a pé,
em ranchadas
de belas candidatas a namoradas!
Pelo caminho
cantava-se ao desafio
canções de trabalho
suadas!
Comprava-se o que as leiras
não davam:
o bacorinho, o vitelinho
as fazendas para o bragal,
o enxoval de mancebo
que ia a sortes
naquele ano,
os ouros
para as moças casadoiras,
os docinhos de amor
repartidos ao serão!
Os cheiros inebriavam:
fruta, melaço,
o borbulhar da solha frita,
as ervas de cheiro
escolhidas a dedo,
os chás de camomila e cidreira!
Uma leve troca de olhos
anunciava
companhia para a caminhada,
o rapaz com grande lábia
declarava-se
com frases muito alinhadas!
O fim da festa era triste
e cansado
terminado o sonho
que levou uma semana inteira
a encenar!

PEQUENO-ALMOÇO DE DOMINGO

J. González Collado

O Domingo era de amoras,
dispostas por sobre a mesa,
numa geleia gelada,
barrando a fatia escura,
do pão cozido de madrugada!
O leite quente aguçava
a vontade de provar
aquela brancura perfumada
com canela e
pedaços de maça!
O queijo salgado de cabra
rescendia,
em tosta estaladiça,
preparando o paladar
para os figos
pingo de mel,
servidos com o orvalho
da manhã!
O cheiro a café era intenso
caindo de um saco surreal
e as dores morriam
no repasto matinal!
E a família reunida
deitada nesta ternura
fazia parar o tempo
e dava graças à ventura
de poder saborear
esta refeição divinal!

TOADA

Patrícia Filardi



Rezo neste dia cinzento
a todos os fiéis sentimentos
que atravessaram espadas
que conquistaram o mundo
e acabaram em mansardas
no fim do esquecimento!
Vencidos os oceanos
com baionetes em riste,
as negras desenlaçavam suas vestes
garridas,
lentamente,
caindo na areia molhada,
em ritmo de batucada,
e acordes de fados tristes!
Beijos chorados,
mãos cravadas,
bocas acorrentadas,
amores frustados,
e o desejo saciado
ficou naquele bocado
duma praia do Nordeste!

QUERER

Entre dois sorvos de café,
o instante que estava à espera,
ali ao pé,
de algo incandescente,
ficou-se por um tímido sorriso
e pensou que era melhor
ter juízo,
e deixar as tentações
amarradas  a estrofes de poesia!
Mas o querer engenhoso
entrou pelo peito dentro
e fez finca pé,
deitou – se no meu sono
e fez – me sonhar contigo!