quarta-feira, 23 de abril de 2014

PERFEIÇÃO

Collado
PERFEIÇÃO

Tudo era perfeito
neste Abril iniciado,
como se nada, nada, existisse
fora de nós!
A flor, a germinação,
o fruto,
a beleza deste dia!
Nasceu a claridade,
era confortável
o quarto que nos acolhia,
a busca incessante
pela vida,
o barco  à vela,
a partida,
o ribeiro selvagem
correndo
por baixo da nossa janela!
Lá fora as imagens
são mais densas,
as pausas programadas,
subjugamo-nos
como os servos do passado!
Antes de saltar da cama
senti o cheiro do café
que nos esperava,
caindo negro
numa chávena de porcelana,
rompe um riso cristalino,
diante de uma colher
de compota de alperce
caindo no chão encerado!
A tosta quente
pedia urgência
numa nova dentada
capaz de satisfazer a gula
por nós dois compartilhada!

DONDOCAS


Collado
DONDOCAS

É Verão incendiário
elas vestem-se de leve,
vestidinhos de seda fina,
o tacão que as eleva,
lhes dá lugar de destaque!
Maquilham-se com cores suaves,
um batom que saliente
os lábios carnudos de pecado!
Na esplanada junto ao mar,
juntam-se sempre
na mesma mesa quadrada,
de madeira envelhecida!
Com a serenidade
de princesas de cristal,
chamam baixinho o garçon
e pedem refrescos de limão!
Sussurram
quase pedindo desculpa,
começando uma conversa
que não vale nada!
São os filhos
que não chegam da escola,
as metas que lhes propõem,
o marido que chega tarde,
a última loja fachion
e a mala da Zézinha
que não condiz com a camisa!
No fim do lanche
entediadas,
cumprimentam-se com beijos
delicados,
vão para casa
falar mal das tias
que lhes fizeram companhia
naquela tarde quase perfeita!

ACTOR

Collado
ACTOR

Fecham-se as luzes,
silencia-se o palco,
acabadas as palmas
há só o público!
Está só  
entre nós e o plateau!
Não é deus,
não é demónio,
apenas alguém interpretando a vida!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

PAÍS TRISTE

Bruno Silvestre

PAÍS TRISTE

Oh meu país triste,
colorido,
de Primaveras mágicas,
clima doce,
cidades património
da Humanidade
e, gentes afáveis!
Pena, é os sem abrigo
tomando entradas
de lojas abandonadas,
montes de cobertores sujos,
caixotes de cartão canelado,
muitas garrafas
de vinho,
muito frio,
neste desalento anunciado!
Os mais abonados
passam ao largo,
sossegam a consciência:
isto é problema de Estado!
Aconchegam-se
num cachecol perfumado
e entram na igreja
do lado,
pedindo a Cristo
que os não esqueça
na distribuição
das mais valias,
saúde, dinheiro,
encaminhamento dos filhos
na vida!

MARÇO

Fidel Latiesas
MARÇO

Chega Março
a terra cheira a lavrado,
ameixoeiras floridas!
O passado Inverno
desvanece-se,
secando o sol
a água em exagero,
infiltrada no solo!
O gado é apascentado
no monte,
as cabras comem tudo
até o caruto dos arbustos,
deixando  as plantas depenadas!
Tu namorado recente
vens pelas trindades
montado num cavalo azul,
encantado,
subo  para o seu dorso
e à garopa
vou contigo
até à eternidade!

DIA DE INVERNO

Filomena Fonseca
DIA DE INVERNO

Das bolas de granizo
caindo em tormentas
enfio contas
num colar de tempo ausente!
Por detrás da janela
embaciada,
sirvo uma caneca
de chocolate quente!
Escorre a água
da levada
até ao tranquilo olhar
de Abril,
trazido esta madrugada!
Na sala firme
invento histórias
não tendo livros
para as publicar!
Ficam nas paredes
enegrecidas,
da rua estreita
onde moro,
aquecendo por instantes
os sonhos
que se perderam
por não se concretizar!

VAMPIRA


JAIRVCARDOSO
VAMPIRA

Podeis reduzir-nos
à pobreza
retirar-nos o pão
e o abrigo,
a escola, a saúde,
o trabalho,
a esperança,
mas não podeis
obrigar-nos  a dizer sim
à destruição,
ao desencanto
à aflição!
Coube-vos a vós
políticos de pirueta
matar-nos
em algumas gerações!
Vós javardos
montem em cavalos negros
e procurem outras paragens
para destruir!

sexta-feira, 4 de abril de 2014

MORANGOS

Victor Silva Barros
MORANGOS  

Vermelhos, sumarentos,
muitos deles em forma
de coração,
chegam devagarinho
em fins de Fevereiro,
inundando o mundo
no Verão!
Refrescam sobremesas,
deliciam crianças
em gelados gulosos,
encantam os olhos
na salada de fruta!
Numa compota
misturados com maçã,
untando uma tosta,
distribuem a alegria
logo pela manhã!
Rubros,
cor da paixão,
molhados em chocolate
são o caminho exacto
para um beijo redentor!

PÃEZINHOS COM MARMELADA

Victor Silva Barros

PÃEZINHOS COM MARMELADA

Era Outono,
à noite ficava o céu
enevoado,
o vento soprava do mar
e fazia cair as folhas
das árvores,
agora vazias de fruto!
O sol declinava mais cedo,
a mãe apressada,
assentava num caderno
as provisões que precisava
para o Inverno!
Calmamente, escolhia
os marmelos perfeitos,
desde a semana passada
guardados
num cesto de palha
castanho!
Naquela cozinha imperfeita,
era perfeita a azáfama :
descascava-se a fruta,
cozia-se num panelão
de cobre,
esmagava-se numa rede
fina!
Com açúcar,
tempo,
paciência,
fogão,
nascia a marmelada!
Vertida em tigelas
redondas,
cobertas com papel
vegetal
untado de aguardente,
era na janelas da frente
que secavam!
No Inverno,
em pãezinhos
pequeninos,
eram  o conforto
nas longas noites
frias!
Na saca escolar
era o lanche,
transformado
em buchas pequeninas,
repartidas pelos meninos,
para cujas mães
a marmelada era um luxo!

JUNTO AO JARDIM

Victor Silva Barros

JUNTO AO JARDIM

Ao fim da tarde
é vê-las
rebolando as ancas,
compondo um sorriso
matreiro,
usando os olhos
como acerto
da mercadoria a trocar!
São novas, velhas,
magras, gordas,
elegantes, boçais,
com caras angelicais
ou cores de vinho tinto!
O seu nome
é de profissão,
discretas,
vão um passo atrás do cliente,
apressadas,
o negócio
não se compadece
com horas estragadas!
Servem
sem grande conversa,
aqueles senhores
que lhes pagam,
maternais, brutais,
ordinárias, audazes,
colegiais, putas mesmo,
conforme a tara
de quem as tem
por um punhado
de trocados!
Há um mistério trágico
nestas mulheres que se vendem,
serão rameiras desprezíveis
ou santas que salvam vidas?