quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O COMPLEXO DA ESCRITA

José Gonçalez Collado

O COMPLEXO DA ESCRITA

Escreves,
teimas em escrever
todos os
em sítios vários.
São simplesmente palavras
atravessadas de ti
com  letras de terra
e pontos  de luz.
Escreves,
fica tudo mais certo,
a alma aquece,
o sono desce,

apaga-se o dia

DESCRIÇÃO



José Gonçalez Collado

DESCRIÇÃO
Estendes-te no sofá
embrulhado na manta quente,
levas à boca repetidamente
cada cereja rubra, resplandecente,
Brilham as achas na fogueiras,
a pele aquece, a alma aquece.
Nada de dúvidas,
esquecidas as perguntas,
é vasta a sala

para pensar na vida.

A ESTUPEFAÇÃO DE TERESA

José Gonçalez Collado

A ESTUPEFACÇÃO DE TERESA

Sentada a um canto
de um botequim
da nova cidade
a ser renovada.
É olhada constantemente
por alguém desconhecido.
Porque a olham?
não tem poemas
escritos na testa,
é discreta, paciente,
não entende
ser objecto de avaliação.
Perdão,
tem a camisola ao contrário,
que diabo,
afinal era chacota
pela sua distracção.

VIZINHANÇA

José Gonçalez Collado

VIZINHANÇA

Tenho uma vizinha
gente fina,
não lhe conheço defeitos
de vizinha.
Admiro a sua forma de vestir
muito vintage.
Não se mete em confusões,
não ouve televisão
em alto som.
Não treina o cão
nas escadas,
não deixa aberto o portão
nem sacode o pó
na cabeça de quem passa.
Mas um dia
assustou-se com um fio
da TV cabo,
servindo a minha casa
passava-lhe ao lado.
De dedo em riste
soltou-o da parede.
Foi má a opção
era tal a burocracia
da operadora
para encontrar solução
que continua dependurado,
a vizinha permanece emburrada

desde então.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

ABANDONO



José Gonçalez Collado
ABANDONO  

ABANDONO

Escapar
sem saber como
ao inferno de Dante,
sem G.P.S.,
sem ajuda de homem,
anjo ou arcanjo.
O corpo enfrentando
chamas que queimam
primeiro a alma
depois o corpo.
Fugir, fugir
sempre para a frente
com poças de lume
a toldar os paços.
Esta angústia sem nome,
um abandono perene
como se a gente do interior
não fosse gente.
Que país este
achando que alguns
não têm direito
ao pão diário.
Cerram-se os dentes
a boca fecha-se
não sai o grito libertário.

FALAR SEM SER

José Gonçalez Collado

FALAR SEM SER  

Só têm língua viperina
de aço,
quando oposição,
dentro, entram no sistema,
olham pela sua vida,
o alheio entrega-se à sorte.
Desancando
perante a televisão
é só um som a sair da boca.
Fonética, guião de palavras
que não calam
a dor no peito
de quem ficou sem nada.
Não têm que se levantar
de madrugada,
contar cada cêntimo
para o pão de cada dia,
não gritam, não fedem,
dormem de vendas nos olhos,
mandam mensagens rápidas
com instruções presas
a seus pares,
Riem sem mostrar os dentes,
elaboram discursos
sobre dicionários abertos,
vendem o país ao desbarato,
tornam-nos tristes,
estamos fartos.

ESCREVER UM POEMA

José Gonçalez Collado

ESCREVER UM POEMA  

Escrever um poema
em Outubro quente,
um poema com ruas,
gente, ruído,
silêncios momentâneos,
noites dormidas,
outras em claro.
Contigo seguramente,
rigorosamente,
bebendo champanhe rosé
regando as ostras negras
da ria Formosa.
Acaba o poema,
a cabeça vazia
sem palavras de ponto final.

UM DIA DE OUTONO FRIO

José Gonçalez Collado

UM DIA DE OUTONO FRIO  

Um nevoeiro fino
impregna a cidade
vestida de parkas
e casacões.
O capuz tapa os cabelos,
a humidade atravessa
o pescoço,
desce até ao umbigo.
Na rua ninguém vê ninguém,
os contornos
dos monumentos antigos,
são manchas.
A respiração é ofegante,
o bafo embacia os óculos.
A fila é imensa no metro,
por minutos o lar
onde se pretende algum calor.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

COMIGO

Collado

COMIGO  

No meu regaço
podes fugir de tudo,
tomar uma taça
de vinho tinto,
fumar um cigarro
dentro de casa,
sair da rotina,
rodopiar mesmo coxo,
espiar a vizinha,
ver um filme de Chaplin.
Esquecer a vida,
ensaiar com empenho
o dia novo
rompendo com paixão
a madrugada serena,

amanhã e depois de amanhã.

PEQUENO ALMOÇO

Collado

PEQUENO ALMOÇO  

O leite desnatado
cai quente e branco
na chávena grande
do almoço da manhã.
Corado com um pingo
 de café
mistura Guiné e Timor
envolve as torradas de pão
 de milho
molhadas em azeite novo.
As últimas uvas das videiras
espalhadas sobre a mesa
limpam o palato
para o café final.
Ai se me cai uma pinga
na blusa de seda fina
lá se vai o primeiro bom olhar
lado a lado com o sol radioso

do dia a despontar.

DOURO MAIS UMA VEZ



DOURO MAIS UMA VEZ  

No mês de Outubro
o rio é mais escuro,
traz aluviões das matas
arrastados  pelas águas
tornam a sua cor de oiro.
Espuma-se
contra as margens,
empurra os barcos rabelos,
desce em convulsão
e abraça em efusão

a sua amante foz.

DIA DE TRABALHO

Collado

DIA DE TRABALHO   

Pressa de chegar a tempo,
à hora exacta
apanhar o metro apinhado.
Basculhar a mala,
o telemóvel imprescindível,
o lenço dobrado,
a chave lisa do escritório.
Exercitar a voz,
atender centenas de chamadas,
esquecer o sistema.
Acelarar o fim do mês
a uma semana do fim,
o porta moedas vazio.
Quem se importa
quem desdiz
a indignidade de trabalhar

sem poder pagar as contas.