terça-feira, 12 de dezembro de 2017

PEDROGÃO 2017


Albano Neves e Sousa
PEDROGÃO  2017

Ardeu tudo,
o fogão,
o cadeirão herdado,
o gato Pitusca
de pelo emaranhado,
o cobertor pardo
comprado na feira da vila,
As roupas, os sapatos,
as fotografias ilustrativas
das festas, das viagena,
das etapas mais significativas
das suas vidas.
As compotas,
o leite das cabras
ordenhado de manhãzinha,
os livros da primária
guardados como troféu.
O terço, o relicário
ofertado pela avó.
As galinhas, os ovos frescos,
o pão cheirando a forno centenário.
Os bombeiros não chegaram,
o INEM não apareceu,
a GNR passou ao lado,
neste abandono conjugado
a alma morreu também.
O corpo ficou,
o vazio em cada mão,
rodando o saco negro
oferecido pela caridade
queimando mais uma vez
ao limpar sem pejo
as grandes falhas do Estado.

TEMPO



José González Collado
TEMPO

Penso o meu poema
no tempo
que não sinto meu.
Cada verso é um impulso
neste meu defeito confesso
de querer salvar o mundo.
Nem hipóteses me dão
de começar a tarefa,
quem te manda ati meter-te
em seara e foice alheia ,
fala antes por falar
de flores, de frutos, de vendavais.
Tranca as estrofes,
guarda-as a sete chaves
na mesa de cabeceira,
esperando que um dia
alguém lhes preste atenção,

alguém os leia.

CASA NATAL


José González Collado

CASA NATAL

Queria rer uma casa natal,
sorrisos permanentes,
muitas rabanadas quentes,
de leite e mel,
aletria dourada,
creme rescendendo a caramelo,
bolinhos de jerimu, vinho quente,
café, um cálice de aguardente.
Queria conversas serenas,
sentir que gostam de nós.
Deixar a lenha
queimando na lareira
a noite inteira
aquecer tudo até à alma.
Pela meia noite
procurar luvas e gorros,
sobretudos felpudos
ir à Missa do Galo,
beijar o pé pequenino
e cheiroso
do Deus Menino.
Ser uma peça mais
nesta engrenagem
não sei se enganosa
se providencial
criando dias felizes
no mês de Dezembro,
no calendário de cada ano.

MAR


José González Collado
MAR

O mar continua longe
hoje sereno com pequenas ondas.
É visceral,
metê-lo dentro de frascos,
bebê-lo nas noites mais prementes.
Uma linha de barcos no horizonte,
minimal,
a tela do pintor de rua
enche-se de traços
e eterniza o balanço da água.
As dunas desgastam-se
forçadas pelo vento,
os chorões abraçam-nas
fixando a muralha protectora
ao avanço das águas.
Um casal destemido
toma banho nu
no Novembro frio.
A chuva sem se anunciar
cai de supetão
molha ainda mais
corpos  humedecidos.
O fim do dia trouxe um arco-íris,
as nuvens negras
cobrem as pessoas,
o mar,
a vontade de integrar
os mistérios milenares
do oceano eterno.