quarta-feira, 13 de julho de 2016

DIAS CINZENTOS

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DIAS CINZENTOS  

Às vezes,
em dias de fastio,
leio os anúncios dos jornais,
há quem venda,
há quem compre
móveis, imóveis,
amor, desamor,
o tempo, a vida,
o desperdício, os restos,
o vazio, a alma,
bancos, aeroportos,
rios, cidades,
os peixes já mortos,
lotes especiais de vinho  do Porto.
Vende-se esperanças,
relógios herdados,
gritos inconformados,
um país tratado com aspirina,
o nome Portugal.

A LUA SOLIDÁRIA

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A LUA SOLIDÁRIA   

A lua baixa
em rodopios frenéticos
ficando parada
junto à soleira da casa.
Depois do corre corre,
a quietude do dia projecta-se
numa luz obliqua,
reformula-se,
inunda todos os cantos.
Por detrás das cortinas,
no recôndito da sala,
o avô senta ao colo o neto
e conta-lhe histórias,
vidas da família ficcionadas.
Na mesa um copo, uma malga,
uma colher, uma faca,
uma garfo, um guardanapo,
serve-se a refeição,
a lua recolhe-se.

TU E A NOITE

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TU E A NOITE  

A noite difusa
cria brilhos no teu andar
bamboleante
diante da montras da cidade.
Impossível ignorar
os sapatos altos,
o vestido negro de cetim.
As tuas penas longas
o olhar profundo de cilios pintados.
Calcorreias as ruas, avenidas
a caminho do baile
no Orfeão Universitário.
Réplica de deusa grega.
imortal e bela
consolando o olhar dos sós
que de copo na mão
enganam nos botecos

a sua longa solidão.

PROPÓSITO CONSEGUIDO

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PROPÓSITO CONSEGUIDO

Não te saúdo,
não me ajoelho,
não te ofereço flores,
eu cidadão comum
com alma de pássaro,
azul, selvagem,
questionando tudo.
Mandar-te-ei  um postal,
quando muito,
da viagem existencial
que faço agora
em torno de mim.
O meu propósito
falará depois,
na limpidez do olhar
purificado,
nas imagens raras
da alma soltando-se.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

TROCA DE OLHARES

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TROCA DE OLHARES

O teu olhar baixou,
teimoso,
enfrentando o meu, lúcido,
sem gravata,
sem poses executivas.
Ironicamente,
detestando as miradas,
enfrentamo-nos sem sangue.
Foi preciso uma criatura,
campónia, do interior,
para te dobrar,
produzir em ti pêras doces
para sobremesa dos dois.

VISITA

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VISITA

De sandalinha de Verão,
rasa, colorida
alcança o vão da escada
para o visitar
no décimo primeiro andar,
duma torre rasgando o céu.
Preguiçoso, esticado no sofá,
relê os últimos poemas
escritos nas insónias de ontem.
Vagabundo como só ele
vestiu-se nigligé com classe,
sapatos de verniz,
cachecol pardo,
carapuço enterrado nas orelhas.
Cantou-me canções ao ouvido,
juras, promessas,
fiz deste fado do bandido
o meu também.

FIM DE SEMANA

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FIM DE SEMANA

Sexta feira, à noite
começo do fim de semana,
dia de namorar,
desamarrar as asas e voar.
dia de dançar, beber,
pular, soltar a franga,
viver.
A seguir vem o sábado,
a secção de cinema.
as pipocas doces,
e os olhos da Carolina,
macios como uma pena.
Domingo é Domingo,
o inicio de segunda feira,
o trabalho, o cansaço,
a correria, o stress,
os sonhos adiados
até à próxima sexta feira.