quarta-feira, 16 de julho de 2014

CAMPESTRE

Collado
CAMPESTRE  

O  desejo
é escancarar a janela
e ver a Estrela D'Alba
desenhada a lápis de carvão
e pintada com tinta da China!

Ver os pássaros a acordar
a ondear pelas árvores,
fazendo ouvir o cântico
do acasalamento
fragmentado de Primavera!

Sentir o orvalho matinal
que proteja da sede
as novidades do quintal,
plantadas por mim
com suor!

Querer que nada mude
que a verdade seja apenas
a natureza a renovar-se
cada ano,
sempre da mesma maneira,
sustentando-nos!

Sorrir com a fruta colorida,
a medrar,
imaginar o sumo viscoso
a saciar as tardes de Verão,
a moleza do calor,
lavar as mãos na fonte,
querer ficar,
 desfrutando a beleza
de um deslumbrante, alaranjado,
pôr-do-sol!

FIM DO DIA

Collado
FIM DO DIA

À noite, calados
cada um no canto
do seu silêncio,
conhecendo-nos tão bem,
comemos frente ao televisor,
sopa de caranguejo
e chocos grelhados,
com batatada e grelos!
Olhámos sem ver,
escutámos sem ouvir,
o que tanto dizem
no ecrã parado!
Na novela há quem parta,
quem fique,
quem sofra,
quem seja feliz,
a saga não acaba nunca
acompanhando o negro café
e o biscoitinho de mel!
Está na hora de lavar a louça,
escolher a farpela
para o dia seguinte:
-até amanhã
-até amanhã meu amor!

GUERRA A ORIENTE

Gina Marrinhas
GUERRA A ORIENTE

Perguntaste-me se me importava
com a guerra a Oriente,
achei estranha a pergunta,
todas as guerras me preocupam
pois são ditadas não pelos homens
mas pela propriedade,
como dizia Santo Agostinho!
Tínhamos decidido
fazer um piquenique
na margem do ribeiro
e eu pensei:
ainda há pouco,
andava o Papa Francisco
pelas terras de Cristo
e os homens sorriam,
no seu íntimo queriam a paz!
Mas a propriedade
não quer ser dividida,
repartida,
e PUM...
as bombas mataram quase duzentos
e ameaçam matar mais!
Desfazem-se os telhados,
caem os cristais,
restam escombros em ambos os lados!
A propriedade está intacta!
Calámo-nos, rezámos
pelos desesperados, os abandonados,
neste mundo imbecil!
Chorar a incompetência dos líderes
e toda a sua indecência,
fá-lo-ei quando estiver sozinha!

MARX

Luís Morgadinho
MARX

Toda a sua filosofia económica
nasceu da violência
da relação
entre o trabalho e o capital!
Nasce outra vez Marx
é urgente salvar o Mundo!
Levam-nos o dinheiro para fundos
escudados por nomes sonantes
da nossa plataforma financeira,
e nós estúpidos confiámos!
O dinheiro, de repente,
em papel, multiplica-se
e a bolha cresce, cresce, cresce
rebenta e desvanece!
Os grandes senhores
de porte fidalgo,
sobretudo os italianos,
safam-se sempre,
é escandaloso o casamento
entre o poder e a banca!
O povão paga:
paga as mordomias,
os negócios ruinosos,
a falência da banca!
Humildemente pedimos:
- Senhor, dai-nos o pão nosso
de cada dia –
E por aqui ficámos!

terça-feira, 8 de julho de 2014

PARTIDA

Mary Carmen Calviño
PARTIDA

Aproveita menino,
hoje,
o pão caseiro
na mesa posta,
o fio de azeite
escorrendo sobre o bacalhau
cozido,
a batata saborosa
do quintal de casa,
a sopa de couve galega,
a tora de chouriça fumada!
Amanhã partes
para o desconhecido,
deixas terra,
deixas amigos,
pai, mãe,
filhos!
A pátria tirou-te o chão,
o pão, o futuro!
Lá longe, do outro lado
do mundo,
escolhe um cantinho
para chorares de saudade
do que te obrigaram a largar!

PRIMAVERA

Collado
PRIMAVERA

A Primavera esgota-se
no pináculo
da linha regular do horizonte
e é engolida pelo ciclo das marés!
O mar torna-se mais azul
refrescando corpos morenos
adoçados pelo Verão
que começa!
Espetamos os olhos
nas carnes expostas
pelos areais ferventes!
As gaivotas sem freio
comem junto às pernas
dos turistas bronzeados,
o peixe que escapou
das redes!
Os poetas desleixam
a mudança cíclica,
pegam no caderno branco,
de linhas fininhas pretas,
escrevem com alguma dor
poemas contra a fome!

QUESTIONAR

Collado
QUESTIONAR

Neste fim de tarde
prolongado,
de um Verão indeciso,
ora chuva, ora sol,
ora calor, ora frio
espreitámos as prateleiras,
dos livros já esquecidos!
Encontrámos os clássicos:
Sócrates, Platão,
Voltaire,
Sartre, Marcuse,
Agostinho da Silva,
todos filósofos,
todos estudiosos
da condição humana!
Debaixo do braço
levámos o Agostinho da Silva,
abrimo-lo
num banco de jardim
e meditámos!
Quem precisa
 de morangos amarelos.
se os vermelhos
são deliciosos
diante dos nossos olhos!
Quem precisa
de ar condicionado,
se a brisa do mar,
poderosa,
vergasta o nosso rosto!
Quem precisa
do supérfluo,
se é tão pouco
o que nos faz viver!
Entre ser rosa ou cacto
antes cacto que dá figos!

SOLIDÁRIA



Collado
SOLIDÁRIA

Ah Judite,
como se diz a alguém:
está morto!
Como se fala da morte
sem perder a compostura,
quem nos põe um rosário
na mão
e  diz que o nosso amor
partiu para sempre!
Como é possível
roubarem-nos alguém
na placidez do dia
que continua a fruir!
A morte não pede licença,
abraça,
não deixando
tomar o café,
degustar as torradas,
picar o ponto
no emprego desejado!
Morrer, assim
na flor da idade,
mais vale ser de repente,
tornando o momento
menos indecente!

quinta-feira, 3 de julho de 2014

CONEXÃO

Luís Morgadinho
CONEXÃO

Não vou por aí
pelas ruas,
como os cegos
contra os obstáculos,
meio bailarino,
meio adormecido,
permitindo que se riam
de mim
e dos meus passos!
Estou convicta
que a rede dos caminhos
a percorrer,
é traçada aqui
na sala pequena
e mal iluminada
do apartamento
que possuo!
Evocarei outros
que me sigam,
não podemos
estar acomodados
à tecnologia,
devorando-nos,
obtendo proveito
alguém desconhecido,
sempre obscuro!
O freio da besta é nosso,
saibamos apreciar
a alegria única
de sermos livres,
donos do nosso destino!

PORTUGAL

Luís Morgadinho
PORTUGAL

Fechada neste país
assombrado,
com os meus companheiros
de luta,
cansados,
não vejo nada,
senão escombros!
Não quero, por ora,
pensar que foi engano
a revolução dos cravos,
deixamo-los lá,
agora pagámos as favas!
Os ganhos que tivemos
não os entendem os novos,
cheiram já
velhos enganos,
embandeirados
por filosofias sinistras
que se for preciso,
matam!
Só com a partilha
nos ergueremos,
distribuindo a refeição
por todos!