quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

GRAFITTI

José Gonzalez Collado

GRAFITTI

Na porta de alumínio cinza
do meu prédio de trinta anos
alguém pintou
uma borboleta multicor.
Grande, brilhante,
podia ter saltado
de uma tela de Van Gogh
Pronta a bater as asas,
de tão real,
era soprar com força
começaria a voar.
O sindico
cuja arte não era o seu forte,
chamou um serralheiro
que de formão em riste
raspou a borboleta.
A porta e o prédio
são agora mais tristes.

MÚSICO DE RUA

José Gonzalez Collado

MÚSICO DE RUA

O músico de rua
toca sempre
passe ou não gente.
Dedilha a viola com afinco,
empurra o chapéu
para a frente,
não vá o turista distraído
não agradecer devidamente
com um ou mais euros.
De mais que um talento,
se alguém quer muito,
tira de um saco
papel e carvão
e faz um retrato encomendado.
Estiva os músculos do braço
e para espanto da mamã
nasce em poucos traços
o perfil do seu menino de ouro,
iluminando o sorriso da mãe
embevecida.

HISTÓRIA COM FREIRAS

José Gonzalez Collado

HISTÓRIA COM FREIRAS

Na estação de S. Bento
apeiam duas freiras Carmelitas
silenciosas e frias,
de hábito negro
rastejando no chão,
não caminhavam, levitavam.
Desfiavam o rosário,
meticulosamente,
do outro lado, tiro o porta-moedas
e conto o dinheiro
para ir ao cinema
ver o Renascido.
Uns compram a eternidade
eu compro a vida.

O PEDRO NUMA TARDE DE SEXTA

José Gonzalez Collado

O PEDRO NUMA TARDE DE SEXTA

Depois da  terceira cerveja
a rua é o rio Nilo
banhando os meus pés descalços,
os seios da Carolina
dióspiros maduros
empratados nos meus olhos,
a minha vizinha Teresa,
moçoila trigueira,
observando-me da janela
de sua casa,
uma rosa encarnada
para eu trazer na lapela.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

FIM

José Gonzalez Collado

FIM  

Os olhos percorrem a casa
agora vazia,
as passadeiras gastas
cobrem um chão velho,
os copos, os pratos esbetonados,
serviram de mão em mão
festas e comemorações.
Hoje são fósseis, não existem,
não têm serventia.
Foram belos os armários,
as secretárias, a credence.
O pó, como argila branca
cobre as memórias,
as ânsias, as lembranças.
Delírio é querer continuar
navegando em águas mortas.
Frágeis, agarramo-nos a tudo

esquecendo a brevidade das coisas.

DIVAGAÇÃO



José Gonzalez Collado
DIVAGAÇÃO  

No meu quarto
com janela virada a sul
o tempo corre devagar.
Olho os carros que passam,
nada é de graça
nem o riso da criança
levada pela mão da mãe,
ao virar da esquina
pede o rebuçado.
Entro no movimento
hora de ponta, corridas
a caminho de casa,
as buzinas ferem os ouvidos.
Voa do tejadilho
dum Ford antigo
um ramo de rosas encarnadas,
caem no meu pátio,
ganhei o dia.
Recolho-me com o ramo
e barro duas tostas com mel,
tiro um expresso,

sento-me e adormeço.

MONOTONIA


José Gonzalez Collado

MONOTONIA  

Esvaiam-se as horas
encaixotadas em contentores
nas infinitas tardes de domingo
onde nada há a fazer.
Por detrás das janelas
os dedos escorridos
desenham no embaciado
cinzento das gotículas:
só queria  partir,
viajar nas asas do tempo,
sentar-me numa mesa em Paris,
comer croissants amanteigados
e beber chá quente de lúcia lima.
O dia será abrigo
na quentura do chá,

na leveza do croissant.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

VISÃO MATINAL DA ILDA

Collado

VISÃO MATINAL DA ILDA

Acordou cedo de manhã,
a cozinha cheirava a framboesas,
provou-as,
entre o ácido e o doce,
a cor, vermelha
como a paixão que sentia
pelo Tomás.
O sentido das framboesas
é serem degustadas,
agradar ao palato.
Num dia chato
uma geleia de framboesas
em fatias finíssimas
de pão de centeio,
é de fechar os olhos,
apreciar, só,
saborear.
Ser feliz, é assim
gostar de coisas simples,
comezinhas,
e depois rir, sempre,
até que se cumpra o dia.

UM DIA CINZA NA CIDADE

Collado

UM DIA CINZA NA CIDADE

O dia surgiu cinza,
os turistas abrigam-se
nos velhos cafés,
nas centenárias tascas.
Visitam igrejas vetustas,
museus, palácios.
Na estação de S. Bento
fotografam comboios,
painéis de azulejos.
As caves de vinho do Porto
Oferecem-lhes copinhos
de amostra,
eles bebem, bebem
e comem chocolate de passas.
A chuva cai lá fora,
esgalha as árvores,
o rio engrossa,
torna-se opaco.
correndo rápido para o mar.
Contra as intempéries,
na rua das Flores,
o equilibrista,
os músicos, os cantores
fazem o espectáculo.
Esperam pacientemente
que caiam no chapéu
algumas moedas
e depois oferecem sorrisos
e alguns abraços.

AGRADECIMENTO


Collado
AGRADECIMENTO

Aceito este novo dia,
batendo à minha porta,
com comoção.
é mais um dia
em que existo.
O sol nasceu quente,
fez germinar mais flores,
a água correu na levada,
o calor espreitou
os corpos suaram,
os pássaros descansaram
na ramada.
Não entendo estes mundos
interligados
da natureza,
mas, agradeço o que me é dado.
À noite a brisa
passando pelas minhas mãos
é mais uma bênção
para que eu sinta
o bom que é estar vivo.

VIAGEM INTERIOR

Collado

VIAGEM INTERIOR

Nada me espanta
neste mundo cão,
nem as construções
para aniquilar vidas,
nem a soberba
com que arrecadam
só para si,
nem a maledicência
bafiente,
nem a verborreia
ensaiada
lavando o cérebro gasto,
nem a avidez dos agiotas
enchendo os bolsos.
Onde está a indignação,
a resistência.
perante a insistência
em derrubar
tudo o que pensa?

NOITE DE INSÓNIAS


Collado
NOITE DE INSÓNIAS

Quando não durmo,
quando tenho insónias,
o quarto é um lugar
escuro,
não é quente, não é seguro.
A cama é grande de mais,
o silêncio uma má companhia,
Lá fora uma névoa fria
tapa as árvores, esconde as aves,
a natureza que me distraia.
Quero dormir, descansar,
não quero pensar na vida,
ela que passe sem mim,
eu prefiro estar só
a ir para onde não quero.