terça-feira, 29 de junho de 2010

BARCO NEGREIRO

Albano Neves e Sousa
in:http://vieiraportuense.blogspot.com/

Porque existo
numa terra cobiçada,
África ardente,
ofertando ouro, marfim,
malagueta e mão de obra,
fui arrastado da minha casa,
acorrentado, vergastado,
metido à força
dentro de um navio
negreiro!
Às pressas e sem compaixão,
num dia malfadado,
soube o que era um porão,
apinhado de negros escravos,
onde faltava tudo
até o pão !
Fui humilhado por tudo e por nada,
vi morrer à minha frente
gente desesperada!
Num silêncio amordaçado
fui levado par uma terra distante,
muito pouco abundante,
onde me fizeram criado,
de um fidalgo malcriado!
Vi - me de boca e coração atado,
onde até me foi negado
esse direito de amar!
Separei roupa,
coloquei cabeleiras encaracoladas,
em cabeças tresloucadas,
encerei bigodes claros
de finórios,
calcei meias e sapatos,
e ainda outros artefactos
de cavaleiro falhado,
antes de entrar na caleche
com que passeava no Chiado!
E à noite de mansinho ,eu,
tocava batuque baixinho,
era tudo o que me restava,
da minha terra amada!
Mas a força da batida
entoava e marcava
a história da escravatura!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

DESCOBERTA DO BRASIL

ALBERTO D'ASSUMPÇÃO
in:http://pontesluso-galaicas.blogspot.com/
Eram marinheiros alentados
de cabelos compridos
e olhos claros,
partiram de Belém,
arregimentados, por vezes à força,
para carregar na úbere Índia
mil açafates de especiarias
e todas as magias sonhadas
em madrugadas pardas
de dias amanhecendo nevoeiro!
Num dia venturoso de 1500
arrastados por ventos alísios
e ainda alguns avisos
de adamastores e outros torpores,
viram terra mais cedo que o previsto!
Homens despidos , pintados
e armados de arcos e setas,
com ruídos guturais agudos,
saudaram as lusas naus,
e ofertam papagaios e algum ouro
para selar o tesouro
de futuras trocas e baldrocas!
Esses marinheiros matreiros,
recolheram as ofertas
para as apresentar no regresso
com o preciso espavento
a El-Rei D. Manuel I
E dali seguiram o seu destino
depois de baptizar a terra ardente
de seu nome Vera Cruz,
passando à frente,
rodeando o oceano,
meteram o barco nas rotas
que os haviam de levar a Calecute!
Comandava a frota Pedro Álvares Cabral
que dali partiu com alento
para trazer do Oriente
naus carregadas com pimenta
e canela,
pérolas brancas e frias,
sedas coloridas e porcelanas finas,
perfumes com asas de vento,
chás e outras infusões
que nas solidões das venturosas viagens
aquecerem mil e um corações!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

PAISAGEM


Mari Carmen Calviño
in: http://oleoetela.blogspot.com/
No perfume da ventania
levanta–se um inconfundível aroma
a maresia banhada em Natal!
Caem as pinhas chorosas,
parindo pinhões
em rabanadas de gritos,
que naqueles terrenos arenosos,
se enterram aflitos!
Os pássaros lavam -lhes os gritos
o oceano as emoções
e o olhar do mar
em histeria,
condena aquele dia
de paisagens ganhas,
a pátios encantados,
adoçados em vinho e mel!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

MULHER QUOTIDIANA

JOSÉ GONZÁLEZ COLLADO

Sobes a rua cansada,
numa toada apressada,
sacos em ambas as mãos,
nem ouves os palavrões,
dos guardiães do teu bairro!
Medem – te a coxa que balança,
o gingar que embala a dança,
o olhar terno
de seres ainda criança
escrita em letra de fado!
Por piedade,
tréguas nesta cidade,
chega a casa é o leite que falta,
é imperioso lavar a manta,
o fogão já desespera,
para o jantar cozinhar!
Que lindo é o travesseiro,
apara as dores da alma
e dá – lhe alguma calma,
para poder namorar!
Ergue um copo de vinho
bebido de um trago só,
esta noite o quotidiano
não a esmagará!
Colar – se - à a lua
enquanto beberica caldos,
esquentados em fogueiras
que de outra maneira
estariam apagadas!
Arde – lhe o peito
bordado de pássaros,
arena silenciosa
onde cabem todos os desejos!