sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

PARTIDA

Domingos

PARTIDA

Adeus cidade,
adeus paisagem,
adeus cais
de navios esquecidos!
Adeus mistérios,
ameixas grandes,
coloridas,
em xarope de amêndoa amarga!
Adeus  dias ressentidos
a meio caminho da vida!
Adeus colar de pérolas
sem brilho,
enroladas a pulsos hirtos
em noites  sofridas!
Adeus vento,
fome infame,
vinho tinto,
e, milhos aquecidos!
Adeus olhos molhados,
esplendor na nudez,
preces sentidas
e lágrimas de alegria!
Adeus pobreza de ideias
encarcerando-nos
na inconsequente
submissão consentida!
Adeus tu,
que sem qualquer decência
pedes constantemente
pimenta na comida,
pondo  de lado a vida!

A MINHA ESCRITA


Domingos
A MINHA ESCRITA

Às vezes escrevo
palavras sentidas
por mim
que ninguém entende!
Vou simplificar,
burilar,
adoçar as frases
para que me vejam
com a alma desnuda!
Sendo as minhas palavras
de toda a gente
preenchem lacunas,
tornam-se audíveis!
Sonhos arrastados,
levados,
por quem me segue!
Ocupo-as,
distribuo-as,
há sempre alguém
que as coloca em cestos
para as desembrulhar
em tardes de desassossego!

AMOR

Domingos
AMOR

Amar-te é como
planar num  cometa,
algures entre a alma
e o fogo,              
pretendendo secretamente
que nasça num deserto
um rio,
saindo de vez em quando
do leito,
saciando redes de infinito!
Amei-te desde que te vi,
no fim de uma tarde,
ao arredar a cortina
do seu sítio!
Olhei,
corrias para o autocarro
vazio,
compenetradamente,
como quem precisava,
meticulosamente,
de  chegar a qualquer lado!
Alguém tão metódico,
só podia ser preciso,
na complexa
construção do futuro!
Amar-te
foi a aposta,
com as tuas mãos
sobre os meus olhos,
mansamente,
acomodando-me
nos teus braços
olhando a eternidade!

NUM SEGUNDO


Domingos
NUM SEGUNDO

Senti-me morrer,
quase morri,
e só pensava
que te deixava
a ti!
Não sei
se te importavas
com a perspectiva de solidão,
eu só  via
a  tua pele,
a  cor dos desejos,
nas tardes enroscadas
à  lareira,
ouvindo o vento
levar ramos de árvores!
Naquele instante
acabaram-se as tardes de sábado,
o cinema   ao findar do dia,
o café quente na chávena fria,
os marchantes
nos passeios gastos
da foz velha,
a vida reinventada!
A rota que traçaram
para nós
às vezes dá-nos coça,
é como a vida,
incenso e fossa!
Quando a morte
nos bate à porta,
por mim,
só queria estar sentada
no jardim,
ao pé do lago,
a olhar,
simplesmente olhar,
o dia brilhante,
comovido,
a findar!