terça-feira, 16 de julho de 2013

AFILHADO

António Sampaio

AFILHADO

O meu afilhado Ricardo
pediu um carrinho de rolamentos
que ideia estapafúrdia
teve o garoto agora!
Isto já não se usa,
é brinquedo do passado,
na era electrónica
de carregar no botão,
quem quer correr pela rua
montando um carrinho
de madeira
que escorrega mercê das rodas
e da força do pé
dando inicio à corrida!
Juntei umas tábuas
sem serventia
uns parafusos torcidos,
umas rodas pequeninas
e uns cordéis esquecidos,
com muita paciência
e a ajuda de um formão
fiz esta grande invenção
de um carro voador!
Tinha faróis de nevoeiro
muito sonho
muita emoção
e um coração pintado
de cada lado!
Neste projecto do acaso,
raro,
foi mesmo
os olhos do Ricardo,
que iluminaram a rua
o dia
e a mim!
Tudo se tornou fluído
acreditou-se na vida!

CRISTO É SÓ O QUE EU DIGO

Luís Morgadinho

CRISTO É SÓ O QUE EU DIGO

Cristo é só o que eu digo
quando falha tudo
quando se instala a recessão
quando as palavras gastas
dos políticos
não são mais nada
não têm mais nada
por detrás das palavras!
Mudam Ministros,
o discurso,
para amansar os eleitores,
e tudo fica igual
à espera que tenhamos coragem
de nos libertar!
Cristo é o que digo
neste tempo irreal
em que o medo
e os sacrifícios
não resultam em melhorias
nas nossas vidas!
Cristo é o que digo
quando somos governados
por estrangeirados
e outros que nunca trabalharam
desconhecendo o povo
a nação!
Cristo é o que eu digo
quando nos atrofiam
nos espoliam
neste tempo parado,
sem esperança,
num país em desconstrução!
Cristo é o que digo
este país tão pequeno,
ameno,
manso,
está em risco de perder-se!
Cristo é o que digo
porque a vida continua
nesta estrutura a desfazer-se
nesta derrocada permanente
nesta angústia latente
de não termos horizonte,
quem nos oriente o futuro!

quinta-feira, 4 de julho de 2013

PRETENSÃO


Victor Silva Barros
PRETENSÃO

É a ti que eu quero
neste dia de névoas cinzentas
com trovoadas nos olhos!
É a ti que eu quero
para fazermos um altar
a Santa Maria
onde vou rezar noite e dia
para serem levados daqui
os diabos de lábios rachados,
deitados nas arestas deste país
hoje e ontem adiado!
É a ti que eu quero
para esganar as palavras,
sempre as mesmas,
dos políticos de pacotilha
com cursos a tiracolo,
e ideias perdidas em nicotina!
É a ti que eu quero
presente na minha casa
quando este povo manso
descobrir
que faz mais e melhor
sem as gamelas costumeiras
sem as mentiras urdideiras
sem os tiros certeiros
dos coveiros
que nos querem enterrar!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

UM DIA MAU


Carlos Dugos


UM DIA MAU

O bar fechou,
o dia findou,
a dor não acalmou!
Sento-me ao frio,
enrolado numa escada
e pergunto porquê,
antes que a tristeza me liquide!
O tempo é escuro,
as montras iluminadas
dão algum brilho
à sórdida e suja viela!
Passa gingando a mulher
saída de um canto qualquer,
os tacões rangem na calçada,
a bolsa balança
acompanhando o ritmado passo!
Boca vermelha a provocar,
chispas de escândalo no olhar,
sem querer roubo-lhe um beijo!
A rua estava deserta,
faz-se ali alcova, leito!
A dor terminou,
o dia amansou
a vida continuou!