terça-feira, 26 de setembro de 2017

SER

Victor Silva Barros

SER

Entre ser e não ser
há a sorte e o azar,
o jogo, a roleta,
a missa e o missal,
o saltinho de pardal
pronto a elevar a moral.
O ir e voltar,
o lago dos cisnes
na rua dos Clérigos,
o violoncelo e a espada,
o riso que se solta,
a alma que dói.
O mar, a largueza,
os dias que duram, duram.
Os deuses, as ilhas,
as promessas prometidas,
as falhadas, as perdidas,
o segundo que falta
o ânimo indo

no bico da águia velha.

DIZER POESIA

Collado

DIZER POESIA

Reunidos à volta da mesa
cada um com o seu poema,
esperam a vez com paciência
de falar de amores perdidos
ou achados,
da floresta rebentando abundância,
das árvores prenhes de fruta,
da sonolência que é ouvir políticos
repetindo até à exaustão
os mesmos clichés estafados,
das tardes quentes
em que só as cartas
desmanchavam a paisagem vazia.
Das brigas entre gente comum,
da vida que se perdeu
em excursões ao Bom Jesus de Braga.
De quartos de motéis sem cunho,
de papel de parede desbotado,
do pôr do sol
com um copo de vinho

esquecido tudo ao redor.

QUERMESSE


Collado
QUERMESSE

A quermesse anual
para a angariação pecuniária,
gasta em cestos de Natal,
postiços,
doados a pobrezinhos da paróquia,
nunca gostei da ideia.
Melhor seria aumentar-lhes
um pouco o salário,
sem os humilhar

com a hipócrita esmoída.

É


Jorge Bandeira
É

Como é enfadonho
ser culto,
burguês,
acomodado.
Pudim instantâneo,
formatado, roupa de grife
sapato assinado.
Sem cérebro,
carneiro amansado
em filas posto

repetindo o mesmo fado.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

ZARPAR

J. Valcarcel

ZARPAR  

Quero a mala pequena
apenas uns trapos
protegendo do frio
resguardando do sol.
As memórias
as que couberem
Tem que acomodar
os meus cadernos
de poemas.
O resto, rostos esfumados
forrados a conveniência
ficam nas formas rectangulares

das portas que deixarei.

UM DIA DE OUTONO


Nuno Duque
UM DIA DE OUTONO  

Vai devagar pelo carril
lembrando como era diferente
antigamente
o cheiro a maresia
naquela praia de Espinho.
Um vento leve abanava
as plantas marinhas,
a gravilha deslizava
a cada passada
cortando os dedos dos pés.
Na cabeça há pouco vazia
vão caindo como gotas
palavras, mais palavras
da cor de cerejas esmagados.
Apetece, de repente
um chá quente,
uma bolacha de manteiga,
estaladiça.
O olhar fica mais vivo
desenhando o trilho
do carril até à praia.
Sorri não sabe para quem,
para todos e ninguém
passantes no caminho.
Incendeie-se o ar
laranja sanguínio
num por do sol irreal,
solta-se o desejo selvagem
de ir na onda
até outras paragens,

procurar novo destino.

PINTOR

Collado

PINTOR  

Voltarei a pintar a Ribeira
o formigueiro humano que a fotografa,
o rio sereno que não dá por nada,
o barco rabelo apinhado de povo
descobrindo encantado a cidade,
Abrirei as cores,
não gosto da negrura nas casas,
nem no vestir das tripeiras.
Haverá um porto seco
numa mesa de ferro forjado,
uma barman escorreita
enchendo o copo seleccionado.
Os pincéis bordarão as margens
de gaivotas esfomeadas,
as migalhas caindo livremente
saciando a fome das aves.
Não há lugar a voltar atrás
darei o meu nome
a uma pintura palpável
a serenidade do pôr do sol na Foz,
a crianças comendo devagar
o gelado de morango,
a rapariga gira esquecida de tudo

enquanto olha o namorado.

A EUROPA NA ENCRUZILHADA

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A EUROPA NA ENCRUZILHADA  

Nada disto faz sentido
a Europa criada unida
desfazendo-se
 em banho-maria.
Os europeístas desassossegados
visionam tempos difíceis
por não cumprirem o ajustado.
Os partidos socialistas
governam à direita,
perderam a identidade
pagam nas urnas
o cheiro a extinção.
O povo cansado, pensa
algo diferente fará a diferença,
corre em direcção contrária
quer novidade, sinceridade.
Os políticos e as politiquices
ensaiam encenações
para os manter no poder,
querem-nos cegos, ensonados
continuando a caminhada
no caminho por si traçado.
Um dia, um dia certamente
seremos nós a traçar o caminho
querido por nós para trilhar.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O FIM

Porfírio Alves Pires

O FIM  

No fim pouco resta.
Estamos, mortos antes de o sermos.
Não somos nós,
somos o que terceiros
querem que sejamos.
Até Deus se ausenta:
aguenta até ao sinal da partida…
Entretanto, arredamos a morte
da cabeça,
vamos tocando a terra com os pés,
a humidade entranha-se na pele,
renascemos.
Quão generosa é esta essência,
os ossos enrijecem,
sabe melhor a marmelada,
os sucos de cereja
escorregam entre os dedos
como sangue caindo no deserto.
Os bichos devoram os restos,
nada se perde,
o céu confunde-se com a terra,
refrescam-se as memórias,
os trovões provocam as nuvens,
há ameça de chuva  

tudo reverdece.

ANUNCIANDO O OUTONO

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ANUNCIANDO O OUTONO  

Tocam-se os lábios
ao de leve,
as árvores  baixam a sombra,
protegem e envolvem.
Rodopiam as folhas dos plátanos,
Acende-se a fogueira.
Um pincho de verdelho sobre a mesa.
Tomates esmagados
em pão negro de centeio.
Tocam os adufes,
velhas memórias enrolam-se
na neblina cerrada.
Um friozinho perpassa a espinha,
em breve as leiras são restolho,
a Teresinha frente ao espelho

conta a vigésima terceira ruga.

LENGA LENGA

J. Valcarcel

LENGA LENGA  

A riqueza de uns
a pobreza de muitos,
a fartura de uns,
a  fome de outros,
a liberdade de alguns
o jugo de tantos
Puchar os cordelinhos
dos escaninhos da História,
tornar o mundo

um lugar para todos.