sexta-feira, 8 de março de 2019

A VARANDA

José Gonzalez Collado

A VARANDA

Na casa da minha avó materna
havia uma varanda de Inverno
mais estufa que varanda,
depositório de vasos mil
com begónias e avenca.
A minha tia Maria
solteira e pequenina
cuidava delas com mestria.
No fundo dessa varanda
ficava o seu quarto
o único perfumado da casa
à conta dos sabonetes Pati.
No outro topo da varanda
havia uma estante fechada
com grandes gavetas  
de conteúdo misterioso.
À socapa surripiava revistas
com lindas mulheres na capa,
receitas, truques de maquiagem,
dicas para arranjar cavalheiro ideal.
Não sei quem as deixou ali
certo é que me arrastavam
para outros mundos
diferentes e vibrantes,
nada a haver com a humilde
e simples casa da minha avó.
Além de revistas
havia panfletos, propaganda
séria a um senhor chamado
Humberto Delgado.
Na minha tenra idade
não sabia quem era
mas achava-o revolucionário.
Pedia mudança,
troca de governantes,
manifestações.
A minha tia Maria
solteira e pequenita
arrancava-me os papéis
da mão e avisava:
isto não é para ti rapariga.
Vistas bem as coisas
esta escolha dos meus tios
tinha razão de ser,
o regime já cheirava mal.
Tios cultos e viajados
à conta de serem músicos
correram o mundo inteiro.
Apesar de toda a sua revolta
tiveram que esperar muitos anos
até que o ditador caísse do poder.

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