terça-feira, 22 de março de 2016

MÊS DE MARÇO, MAIS UM GRITO

JairVCardoso

MÊS DE MARÇO, MAIS UM GRITO

Também sei fazer bolo
de canela, lima e framboesas.
Animo a sala com uma boa fatia
e chá verde muito quente.
A conversa é mole
enquanto na televisão
o Brasil  explode
O povo interage, une a raiva
e grita nas ruas - fora, fora!
A catarse alivia
até que a poeira acalme
e venham mais encher a pança.
O povo esquece,
trabalha para levar o dia a dia,
paga impostos,
pragueja ao entrar na casa húmida,
benze-se,
pede a Santo António
uma mulher nova
e que o ajude a ganhar a lotaria.
Desta vez sirvo chá branco
e pãezinhos de queijo da ilha,
a televisão transmite
mais um reality show,
salta porcaria de todo o lado
é disto que o povo gosta,
é isto que o povo quer

para esquecer a realidade.

RETRATO VIVO

Collado

RETRATO VIVO  

É como é,
rabina, traquina,
empurrando com alegria
a vida.
Reparar nela é fatal,
loira, linda,
deslizando na calçada
como se tivesse asas,
ou fosse fada.
É ela,
menina de sorriso de oiro,
cumprimentando todos
ao correr pelo fim da tarde
para apanhar o autocarro
que parte para Gondomar.
Perfeita,
doce e etérea,
qual pérola
para trazer ao pescoço,
prenda oferecida

no solstício de Agosto.

VISTA DE GAIA

Collado

VISTA DE GAIA  

Do alto da Serra do Pilar,
entre dois pares de namorados   
beijando-se,
concentrados unicamente
no seu devaneio,
olho a cidade iluminada,
brilhante,
correndo para o mar.
Da Ribeira até à Baixa
da Baixa até à Ribeira,
são incontáveis
as passadas na calçada.
Descem os turistas para os barcos,
provam nas caves
o néctar das vinha do Douro,
repastam nos pequenos restaurantes
da marginal.
Nos bairros antigos
brincam as crianças na rua,
levam e trazem recados
dos vizinhos.
Surge rasteiro o nevoeiro,
vista do alto,
pela primeira vez
a cidade é só minha
imersa na intensa neblina

correndo para me abraçar.

MENDIGO

Collado

MENDIGO  

Ali, esticado no meio da rua,
lamenta em surdina
o dia em que o seu mundo ruiu.
Solta sorrisos de agradecimento
sempre que a moeda
cai na boina.
A vontade é irromper
em pranto,
esqueceu-se já
se  alguma vez gostaram de si.
O tempo que passou
o que virá
é um mero fair divers,
importa se fará bom tempo,
se as moedas chegam
para o almoço,
se o vinho o embriaga a sério,
se não se lembra do passado,
se dorme sossegado,
se não é assaltado,
se não morre este mês

com a Primavera a começar.

quinta-feira, 17 de março de 2016

O DIA AMANHECEU FRIO

Collado

O DIA AMANHECEU FRIO  

A neblina bateu à janela
disse olá
e manteve-se queda.
Embrulhada no cobertor
espreito de esguelha,
queria era sol
para renascer hoje
como se fosse um girassol.

ESTADO DE ALMA

Collado

ESTADO DE ALMA  

Sentada numa cadeira de baloiço
olho ao fim da tarde o meu jardim,
a luz rasante muda os cambiantes
das tulipas e dos lírios.
Tudo se torna sereno,
não há problemas nem aflições
só a beleza eterna das flores
e um silêncio doce
que permanece
indiferente a todas as convulsões
do lado de fora dos muros,
para lá das fronteiras do mundo,
no interior da alma que sufoca
por falta de opções e liberdade.

DESABAFO

Collado

DESABAFO  

Não trago a bola de cristal no saco,
não adivinho,
não sei se és um verdadeiro amigo,
não me apetece comer bolo-rei
fora da época natalícia,
quero pouco,
passear à beira rio,
ter um momento para escrever
um poema terno,
comer um pastel de nata,
guardar-te no meu sorriso.

MEIO DA SEMANA, DECISÃO ADIADA


Collado
MEIO DA SEMANA, DECISÃO ADIADA  

Truz, truz, sou eu,
outra vez,
ainda há pouco
desci as escadas,
no ar ficou o meu perfume
de rosas,
questionas, o que quer esta
de novo?
Fazer do sonho realidade,
ficar contigo de papel passado,
sem outras de permeio.
Depois de amanhã logo se vê
se me queres
se me mereces
ou se tudo não passa de um bluff
continuado.

quarta-feira, 9 de março de 2016

SENTIR A PRIMAVERA

Collado

SENTIR A PRIMAVERA  

Acorda de manhã,
arregala os olhos,
olha o jardim,
os jacintos explodiram
ao mesmo tempo
da terra molhada.
Os canteiros
tocam todas as cores
e enchem o ar de cheiros.
Assim de repente
a Natureza diz: Primavera
Todos os anos
é mais ou menos a mesma coisa
o ciclo da vida
sabiamente completa-se
sem saudade, nem festejos.
Deixa tudo para trás
sem grandes questões
sem grandes confusões
é só fruir
dias lindos, embora frios.

NEUTRO

Collado
NEUTRO  

Ser neutro,
o termo já de si é cinzento,
amorfo.
Passa ao largo
das bolhas financeiras,
do corte de salários e pensões,
do desemprego, da emigração,.
da pobreza, do retrocesso,
dos desmandos dos senhores
do poder
anunciando em prime time
com voz gélida
a continuação da austeridade.
Perante esta Europa cega,
entorpecida, com falha de ideias,
nós, mansos
sem agressividade,
comemos com sofreguidão
as migalhas que  nos atiram..   

HÁ DIAS ASSIM

Collado

HÁ DIAS ASSIM  

Às vezes,
em certos dias,
não acontecendo
nada de relevante,
sorrimos,
sentimo-nos felizes.
A felicidade
e uma coisa pequena,
uma criança reguila
correndo
por entre as pernas
dos transeuntes,
folhas das árvores
caindo
pintadas de Outono,
uma leve brisa
levantando a saia
da garota linda,
espreitando 
o bolo colorido
da confeitaria da moda,
no casal de namorados
trocando beijos apaixonados
surdos aos ditos brejeiros
de quem passa.  

ZÉ JOÃO A PENSAR

Carlos Dugos

ZÉ JOÃO A PENSAR  

Breve é a dor,
breve é o sonho,
amanhã ao raiar do dia,
eu, Zé João
terei alguém
ou ninguém
assim queiram os deuses.
Acordei com a ilusão
que desta vez o amor
era para sempre
no entanto, só a eternidade
é para sempre.
Continuo a jogar xadrez
na praça, a mente distante,
não reparei na garota
que me olhava de soslaio.
Pensei demais,
deixei passar a hora,
a  oportunidade, a vida.
Fiquei só,
eu e a minha circunstância,
deixando-me abater
por um peão de pança.

sábado, 5 de março de 2016

PÁSCOA ANTIGA

José Gonzalez Collado

PÁSCOA ANTIGA  

A pobreza abocanhava os dias,
as casas eram um amontoado
de blocos de cimento,
telha vã, chão de terra batida.
Sem água canalizada,
os esgotos uma miragem.
As crianças ranhosas, desnutridas,
educadas à força de pancada.
As meninas de tranças
presas no coruto da cabeça
os moços de chancas,
roíam a côdea de broa
cozida no sábado
para a semana toda..
Na véspera de Páscoa
a ciançada era arredada,
os homens iam para a tasca,
todo o mulherio da casa
levava a cacarada para a rua.
Limpavam a fuligem do Inverno
impregnada nas paredes nuas,
o lixo acumulado na cozinha,
areavam as panelas,
desinfectavam os penicos.
Dentro do nada
tudo brilhava,
anunciava-se a Páscoa,
Aleluia.

O QUE É BOM

José Gonzalez Collado

O QUE É BOM  

Há o poema que fiz
a noite passada
com fios de sonho
presos ao último verso.
O encontro breve
com uma tarte
de natas e framboesas
que famintos comemos
depois do jantar.
O sorriso largo
oferecido  pela vizinha
do terceiro andar
sem qualquer cobrança.
O brilho
que eu ponho nos pratos
que sirvo
em todas as refeições da semana.
As palavras
sentidas
que ofereço a quem as quiser,
de graça.

QUANDO O TEMPO PÁRA

José Gonzalez Collado

QUANDO O TEMPO PÁRA   

Um dia, o relógio da igreja
avariou,
deixou de contar as horas
o inicio do trabalho,
o fim da jorna.
Sem preocupação de medir o tempo
o pensamento voou.

CAMINHADA

José Gonzalez Collado

CAMINHADA  

No passeio marginal
da praia de Lavadores
apresso o passo
e faço a caminhada matinal.
O vento que sopra do mar
agride o rosto,
puxo o capuz da parka
e ando mais depressa.
Meia hora para cada lado
até ao carro,
o oceano é infinito
presente no meu percurso
espelhando o seu azul
no fato de treino branco.
As ondas batem forte
no paredão musguento
são a batuta perfeita
para continuar
mesmo com os pés doridos.