quinta-feira, 24 de novembro de 2016

UM DIA DE OUTONO

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UM DIA DE OUTONO  

O vento hoje é rasteiro
levando as folhas do parque
alongando a dança do Outono.
Até no olhar as cores térreas
se postam
produzindo aguarelas.
Completando o dia frio
o sol é ténue,
rompendo as nuvens
espreitando para chorar.
A calma desce,
as mãos sujam-se
descascando as castanhas
assadas em carvão.
Tempo de saber
se é de ficar na transição
ou avançar
para a próxima estação.
Mais fria,
porém, contendo no seu curso

as primícias da Primavera.

PARTIDA

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PARTIDA  

É tempo de despedida,
de emoções libertadas,
de madrugadas perdidas,
da convicção de que contámos,
eu, tu, os outros.
Acordados nas noites longas
rememoriando de fio a pavio
esta luminosidade rara,
este cheiro a mar,
esta calma mansa
de um povo acoitado
na sua condição de servir.
Não há pressas,
um último olhar
às fotografias do clã.
Não me liquidem
esta vontade de mudar,
não se perca a luta
nesta nova porta aberta
para poder trabalhar.
Sem submissão,
sem salário parco

legado de más governações.

EXTRAPOLAÇÃO

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EXTRAPOLAÇÃO

Faço. Existo.
Cumpro. Saio. Vou.
Espalho. Sou.
Planto. Colho.
Passo. Contínuo.
Aleluia, uso a vida.

23 DE NOVEMBRO DE 2016

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23 DE NOVEMBRO DE 2016

Dia 23 de Novembro,
no Porto temperatura mínima
nove graus.
O sol brilha tímido
por entre farrapos de nuvens.
O metro que liga Gaia  
à Metrópole
está avariado
na linha sem comunicação,
por ora,
no noticiário matinal
Trump anuncia
o fim do livre comércio,
as donas de casa obesas,
circunstancialmente aplaudem.
Chove em Londres,
os ingleses
ainda não mastigarem
o Brexit.
Na Síria mais um ataque,
já sem significado,
arrasam um bairro inteiro,
matam mais umas dezenas
de civis incrédulos.
Os juros da dívida portuguesa
descem.
O aquecimento global
é apenas problema
na mente dos intelectuais
de esquerda.
A China
chafurda na sua poluição.
Na Austrália
os aborígenes degustam canguru
numa festa de anos.
Por cá António Costa jura

a geringonça funciona.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

ACONTECIMENTO

Victor Silva Barros
ACONTECIMENTO  

Foi num dia cinzento
num jardim frondoso
dos arredores da cidade.
O corpo fervilhava,
o cérebro não pensava.
Que vestido te cobria,
que baton pintara
a tua boca ardente.
Que poção milagrosa
nos atingiria,
que tisana verde
alcançaria a nossa sede.
O céu, as árvores
cobriram nossos afagos,
o verbo era escasso
enrodilhava no abraço
ali nascido.
Giro em redor de ti
planeta fora do eixo
vivendo  a vida inteira

para ter-te.

PORTO AINDA

Júlio Capela

PORTO AINDA  

O Porto sabe
a manhãs cinza
que esbatendo a ribeira
a tornam aguarela.
Dissipado o nevoeiro
a nitidez do veleiro,
dirigindo-se à Foz
torna a paisagem
mais bela
Abre-se, a janela
do peito,
o ar é mais rarefeito,
apetece oferecer rosas
cantar uma área de Puccini,
acenar aos putos,
sujos, suados,
jogando bola  no passeio
junto ao rio,
comer marmelada doce
seca no parapeito da janela
como se fazia antigamente.
Ó cidade eterna
nascida das transacções,
entre terra, rio e mar.
Apetece ficar,
bebericar um Porto,
vermelho, viscoso,

antes do jantar.

VIAGEM AO INTERIOR DE NÓS

Júlio Capela

VIAGEM AO INTERIOR DE NÓS  

Tudo acordou brilhante,
o céu, as árvores, nós.
O rio Douro corria
mais abaixo
e os barcos deslizando
diziam-nos adeus.
De mãos dadas
éramos um só
na leveza rara
de um dia diferente
acontecendo.
Celebrámos a vida
e saímos de nós
no cais  em silêncio

da Foz.   

LUAR DE JANEIRO



Júlio Capela

LUAR DE JANEIRO  

A lua ilumina,
a luz é intensa,
há um brilho cinza
na água do lago.
No teu rosto, amor,
desenha-se um céu
com sete sóis,
sete estrelas,
sete barcos andarilhos
levando a raça e a fibra
a sete mares
por navegar.
É um aconchego
ter-te perto.
Da janela ampla
digo adeus ao dia
que passa,
como se o peito
não fosse peito,
apenas uma caixa

para te guardar.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

SEM CONTRATO

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SEM CONTRATO  

Apareceste na minha vida,
não falaste muito
não negociaste,
foste entrando
como se soubesses o caminho,
Sentas-te na minha mesa
e comeste os figos e a broa
empilhados num prato fundo.
Foste doce, enganador,
lançando laços em redor de mim.
Sobre as rosas postas em jarra,
vermelhas, gritantes,
não disseste nada.
Era tudo nebuloso,
estando aqui há muito,
parecias estar há mais,
querendo ficar para sempre.
A magia é ténue,
quebra-se como o cristal.
Memórias não há por ora
não sei as que restarão
daqui em diante.
Não se esfume o presente
por entre os dedos,
na espuma resiliente do mar.
Deixa-me pensar assim:
tu e eu,
as rosas na jarra de cristal,
os figos, a broa.

UM DIA DE DOMINGO

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UM DIA DE DOMINGO

Só um dia de Domingo
o teu braço forte,
rodeando os meus.
Altos os prédios,
mais altos os sonhos,
rostos felizes,
A luz penetrante,
respira-se bem.
Ternos os gestos,
quente a tua mão,
di-lo-ei
é só um Domingo
com morangos
no olhar.

PERCALÇO

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PERCALÇO  

Uma gaivota verde
pousou na mesa
de um bistrot da moda.
come do repasto
sem aviso prévio,
sem licença,
banqueteia-se.
O teu rosto, pequena,
fica afogueado,
o meu jantar?
O que vale
é seres cliente certa.
Da cozinha retro
o chefe dá ordem:
repita-se a receita.

FOTOGRAFIA

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FOTOGRAFIA

Olhos nos olhos,
lábios nos lábios,
como partir daqui
se ainda não se deu
a floração da Primavera.