quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

NOVAMENTE PRIMAVERA



  Collado
NOVAMENTE PRIMAVERA

O cheiro a terra anda no ar,
disposta a germinar
a rebentar em frutos.
O perfume a liretes, a gardénias,
a ervilhas de jardim 
é o que eu quero
depois do Inverno incerto.
As árvores explodem,
erguendo-se mais para o alto,
reza extrema
a um deus qualquer que seja

criador da Primavera.

DESCRIÇÃO




  Collado
DESCRIÇÃO  

Três da tarde,
no inebriante dia 20 de Fevereiro
do ano do senhor, 2017.
O sol raso incide brilhante
na mesa número dois
da esplanada do café Plaza.
Um descafeinado pingado,
a revista rosa Caras,
uma brisa arrastada
do jardim de S. Lázaro.
O céu todo meu,
a leveza de um dia comum
numa imensa paz

pousada num pássaro que voa.

SER




  Collado
SER

Eras o principio de tudo
rompendo a aurora da manhã.
Eras a letra de cada palavra
do poema a acontecer.
Eras o pomar limpo
rasgado nas flores do maracujá.
eras o vento leste, quente,
seco,
abraçando o meu peito a jeito.
Eras duas mãos grandes,
generosas,
agarrando a vida a despertar.
Eras o sorriso sempre,
sem limites e sem lei.
Eras calor, consolo,
fragrância, amigo supremo.
Eras a vida, eras a morte,
o único a entender-me

a tempo inteiro.

PORTO



 Júlio Capela
PORTO  

Cidade de traços riscados
por passadas de muitas gentes
airadas.
Fotografada, percorrida,
massificada, reinventada,
despersonalizada, suja
Calada ao anoitecer
num manto de neblina,
densa,
cobrindo as velas içadas
dos rabelos do Douro.
Terna, fechada,
gritando ao alvorecer
pregões
ferindo os ouvidos,
enraizados nas veredas.
Os muros em ruínas,
as arcadas, as ruelas estreitas,
o sol raro entre as casas
densas.
O rio ao fundo,
o mar à direita,
as ladainhas dos monges

rezando pelas trindades.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

DESEJO



 Collado
DESEJO  

Talvez ainda
talvez a vida
não à morte
talvez a sorte
de encontrar um rio
levando os meus sonhos
a bom porto.

FIM DE ESTAÇÃO



 Collado
FIM DE ESTAÇÃO  

Último dia de verão
mudam os dias,
os pássaros migram
nas trouxas da partida.
A luz mais fria,
recolhe-se cedo
por detrás dos velhos muros
do parque da cidade.
Canta a vizinha do lado:
Já é tarde,
o tempo passou,
não se acorda a horas
para beber o sol
misturado no gin tónico.
No serão recatado
através das puídas cortinas
vou pelo GPS do sonho
até à Estrela Polar.

UM DIA CONTIGO



 Collado
UM DIA CONTIGO   

Troco-me devagar
pondo uma certa vaidade
na indumentária escolhida,
sabendo eu que me esperas
num bar demodée da cidade.
Deitaremos conversa fora
sobre nós e o mundo.
dos outros não falaremos
a não ser que façam parte
desta história.
O cocktail de champanhe, fruta,
muito gelo e limão,
espera na mesa pequena,
será que é bom?
ou será o reflexo de estar contigo,
num silêncio sentido,
inundados por um bem estar,
intenso, estranho,
começando e acabando em nós
o mundo.

PENSAMENTO

Collado

PENSAMENTO  

Corri muito
Sonhei demais
Chorei que baste.
Hoje
sentada
na janela do mundo
quero
que a maçã
descascada meticulosamente

me saiba bem.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

DESEJOS

Carlos Antunes

DESEJOS  

Era uma vez
uma janela verde
ligeiramente aberta.
Deixa-me entrar,
há quanto tempo
digo
ao cérebro estonteado
amo-te.
Não sabes ainda,
hei-de ser o amor
da tua vida.
Não páro de olhar-te
quando sais da loja,
umbigo à mostra,
mostrando a todos
como o teu corpo é belo.
Dança o teu olhar
selvagem, firme,
distribuindo doces
ao pisar o asfalto.
Passar na gelataria,
olhar enviesado,
trocámos os olhares,
nada existe mais na rua.
Por hoje fica assim,
levo a força, a vontade,
continuando amanhã,
depois, depois, depois,

a conquistar-te.

DIA DE TEMPESTADE


António Lino
DIA DE TEMPESTADE  

O céu acordou violento,
ribombeia o trovão
estala o relâmpago,
fala a natureza.
O vento arrasta as folhagens
como se arrasta a vida
não fazendo sentido.
Claridade, escuridão,
sombra, ilusão
é tudo o que traz

este dia cinzento.

MAR

Carlos Almeida

MAR  

Olhando o mar
como se olhou ontem,
anteontem.
Metade do corpo
está no mar.
Sal, água,
ondas, marés,
maresia, por do sol.
Extasia a imensidão,
a aventura, a partida,
o sonho,

a continuação da vida.

SAUDADES


António Sampaio

SAUDADES  

Não te vejo
sentada nessa cadeira
esquecida no jardim.
Tenho saudades
das sestas dormidas
no decadente cadeirão,
lado a lado
esquecendo tudo
o que está por detrás do muro.
Era bom o equilíbrio,
a natureza esplendorosa
rompendo a terra
escura, húmida.
Estranho não te ver,
ainda ontem, juro,
estavas lá,
esperando o chá
com rodela de limão.
Vida, multiplicação de factos,
sérios, adultos, responsáveis,
com consequências.
O resto, particularidades,
o descanso relaxado,
a dureza da existência

passando ao lado.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

UM LIVRO

José Gonzalez Collado

UM LIVRO  

Tudo se resume a um livro
velho, bafiento,
vindo directamente do alfarrabista.
Um livro que abre mentes,
transpõe distâncias,
leva-nos a lugares mágicos.
O livro comprado
um pouco ao acaso,
quase não existia
no meio imerso
de uma prateleira quase vazia..
rodo-o nas minhas mãos,
pesa-lhe a clarividência
de transportar pensamentos,
estados de alma,
alquimia temperada em oficinas
sábias,
satisfazendo outros como eu
ávidos de saberes antigos.
Provisoriamente
ficou na gaveta aberta
para perder o cheiro característico
de livro fechado.
Depois, amanhã, depois de amanhã,
ou noutro dia qualquer
soltará perfumes verdes
trazidos directamente de Paris.
Escancarada a porta principal,
o pinhal fica defronte,
os odores misturam-se,
algo criativo
está prestes a acontece,
a flor do ibisco rompeu
para enfeitar a leitura,
dar cor ao flute de champanhe

em cima da mesa.

LÍNGUA PÁTRIA

José Gonzalez Collado

LÍNGUA PÁTRIA  

A minha língua, dizem que bizarra,
complexa, com palavras sem tradução,
é diferente de outras línguas mátrias,
é única por ser de tantos,
por ser minha também.
Amacia, retalha, apazigua
a vontade de migrar.
Paga pouco, é comedida
travando o avançar.
É dura, rude, arcaica,
com esgares na hora de abraçar.
É picuinhas, invejosa,
gulosa até onde o olhar alcança.
Pinga amor, amaciada
às famílias universais.
Silenciosa, nostálgica,
chora com as perdas dolorosas.
É doce, elogiosa,
sempre que uma moça jeitosa,
lhe passa à frente.
Difícil de manipular,
muito comunicativa
feita de pinheiros à beira mar,
de barcos zarpando  rumo a Norte,

rumo à  Estrela Polar.

COMO SE FAZ UM POEMA

José Gonzalez Collado


COMO SE FAZ UM POEMA  

Traço um perfil do poema,
tem que ser curto,
com muito conteúdo,
e terno.
As metáforas comedidas,
simples, linear,
a mensagem bem legível.
O problema é começar,
nasce a ideia fugidia,
as palavras não se deixam agarrar,
é difícil coordená-las,
passá-las para o papel.
Por qualquer técnica
que desconheço,
de repente, aparece à minha frente
o esqueleto do poema.
Necessário se torna enchê-lo
torná-lo de facto  um soneto.