terça-feira, 24 de setembro de 2019

ADEUS VERÃO

Maria Xésus Diaz
ADEUS VERÃO

Dia de verão atípico,
a chuva cai de mansinho
levando à cidade
a antiga e habitual cor de fumo.
O vizinho põe-se à janela
passará hoje o carrinho
do assador de castanhas?
Nada de relevante acontece,
na cozinha mexe-se o leite creme,
os miúdos do 3º Esquerdo
apanham o dia com a bola
autografada por Ronaldo.
Está frio, fiz um café
que tomei sentada
enquanto via uma trapalhada
passando na aparvalhada televisão.

PORTO


Mário Couto

Palavras de granito rosa
ditas em tom berrado,
os carros em velocidade
percorrendo a cidade com gente,
os moços imberbes
lançando piropos às moças
tontas como eles, é da idade.
O calceteiro de cócoras
conserta uma rua principal,
é o Tino de Rãs
e ninguém dá por nada.
As casas de estrutura igual
com varandas de ferro forjado,
clarabóias coloridas,
jóias lindas no Porto
que eu amo.
Algumas solidões
encolhidas nas mesas
dos cafés históricos,
hoje só para turistas.
O livro escancarado,
penso porque leio,
sou  uma pensadora
sem salário.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

POESIA

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POESIA   

Poesia é um rio
límpido ou opaco
programado na cabeça
e nascendo em folha
de qualquer textura.
Poesia uma saudade fria,
um dia sem brilho,
um raio de sol
brincando no ladrilho
na hora do café.
Um ramo de florista,
o namorado embebecido,
a mentira piedosa,
o rascunho perdido
em palavras banais.
A brancura da asa do cisne
desmaiando no lago mágico,
a lua caindo devagar
no telhado desbotado
num dia de Primavera.
O amor espalhando-se
em dedos de conversa  frouxa,
a vontade de viver agarrados
a um mundo assustador.

EXISTIR

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EXISTIR 

Existimos
por sobre símbolos
inventados por outros.
Os olhos vazios
cravados na alma,
prestámos homenagens
a nadas.
As manhãs acordam-nos
no nevoeiro pintado
das janelas fechadas.
O lume desagua
na água fria,
extingue-se, as mãos ficam frias,
o caminho escurece,
é difícil o regresso a casa.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

RODANDO


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RODANDO  

O passado lá atrás
pendurado no alpendre
em bengaleiro enferrujado.
Os passos perdem-se
a procurá-lo,
as lembranças entrelaçam-se
em fios embaraçados.
A teima de factos é só teima,
a colecção de espanta-espíritos
alinhados,
fazendo barulhos contra o vento.
Os dias capazes deslizaram
num caderno quadriculado
longe dos guardiões do templo
sem ser em ombros levados.
As profecias não se concretizaram,
os filmes do Chaplin passavam
no ecrã gasto
do salão paroquial.
Adultos e crianças riam-se,
os galãs, filhos da vizinha,
muito perfumados,
apressavam-se a caminho do ginásio.
A filosofia presente
penso logo existo.

VERÃO 2019


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VERÃO 2019 

Os braços incompletos
faltam-lhes as asas,
erguem-se em prece
ou desespero,
mas não voam.
O céu plumbeo,
cinzas móveis,
incêndios pecaminosos,
falta de medidas atempadas,
palavras gastas,
onde estão as soluções?
Vivem felizes
comem, bebem, fazem amor,
não se redimem
não querem um mundo melhor.
Ai verde que te foste e não voltas não.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

FIM DE TARDE

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FIM DE TARDE

Fim de tarde, pôr do sol,
sentados sob os ramos fortes
do castanheiro,
expomos palavras
e sentimos ser o lugar certo
para ouvir os pássaros.
O ventinho Norte sopra forte
acrescentámos à alma
o calor dos corpos.
Conjugámos o verbo ser
no explendor da natureza
e adormecemos cansados
com a lua a bater de frente.

CONSTRUTOR DE BARCOS

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CONSTRUTOR DE BARCOS

Madeira aplainada,
movimentos medidos
e a tábua sai dobrada.
As mãos derrapam
sempre que aplica a tábua,
tanto que fazer,
ainda não se vê o barco,
as estrelas iluminando o céu
cansado.
Desce o mestre
ao porão da barcaça
e grava a canivete
o nome do barco.
Venham as ondas, as marés,
os relógios solares, as ampulhetas,
vive-se esta noite com as ninfas
em sonhos arrebatados.