quarta-feira, 28 de março de 2018

ENCONTROS

José Gonzaléz Collado

ENCONTROS

O cocktail é simples
uma caipirinha gelada,
um canapé de ricota
e salmão fumado,
crudités avinagradas,
queques de limão e gengibre.
Convencionado o local
do repasto
debaixo do alpendre ladrilhado,
o riso sem freios liberta-se,
é tanta a gargalhada
a alegria de estarmos juntos
que só pode acabar a noite
num baile improvisado.
Sobram copos empilhados
e pratos para lavar,
corpos cansados
prontos para se levantar
estando a festa acabada.
Segue-se o quotidiano
sem bebidas e com pressa,
o trabalho pesando
a vida continuando
à espera de outros encontros.

LENGA LENGA


José Gonzaléz Collado
LENGA LENGA

É a vida, é o tempo,
é o fermento a actuar,
é o vento que sopra
sou eu sisuda a acordar.
É a rosa cor de carne
são os picos a arranhar.
Somos nós num mundo velho
sem forças para o mudar.

OUTONO


José Gonzaléz Collado
OUTONO

Cheira a castanhas,
a fumo
por entre os pingos de chuva
que se abatem na cidade.
A água lava as ruas
num caudal descontrolado.
No jardim da Cordoaria
rodopiam folhas multicores
de tons terra,
caem a toda a hora
deixando as árvores solitárias.
Um cachecol colorido
agasalha a menina loira
que desce os Clérigos
em passo apressado.
Cheira a terra molhada,
a coração a bater,
a marmelos descascados,
a memórias de fumeiro,
a pão negro de centeio,
a lareiras acendidas,
a rezas no fim do dia.

PEDREIRO



José Gonzaléz Collado
PEDREIRO  

Manhã cedo,
um frio de rachar,
lancheira na mão,
passo apressado.
Um gorro tapando
as orelhas,
um assobio
para acompanhar
o ritmo da passada.
O dia inteiro
a partir pedra
amontoada no muro
de uma propriedade
fechada .
A camisa de flanela
suada,
a boca seca, presa,
uma fome visceral
de arroz com feijão,
a cerveja a rasgar
a sede.
Um cansaço
do tamanho do mundo,
 o sol a apagar-se,
um banho quente
lavando a sujidade
pegada à pele.
Um cadeirão velho,
uma sesta rápida,
o descanso merecido
de um britador,
que por amor à arte
ainda não desistiu.

terça-feira, 20 de março de 2018

UM INVERNO RIGOROSO

António-Lino

UM INVERNO RIGOROSO  

Em hemorragia a água
salta pedregulhos,
limpa as ruas inclinadas,
cai em caxoeira
até chegar à Ribeira.
Agiganta-se diante
dos trémulos navios
agachados no cais,
amedrontados com a raiva
da natureza em fúria.
Amainados os ventos,
a água bate ternamente
no molhe gasto
deslizando pausadamente
para a foz que a espera.
A explosão, o ribombar
do trovão,
deu lugar à calmaria,
alguém já se aventura
a correr na marginal
com braços em prece
a pedir a Primavera.

ESCREVER

Collado

ESCREVER 

Escrever por impulso,
surto de palavras escorregadias,
vadias,
brincando sobre o papel.
Livres e audazes
não impostas,
sem rimas de régua e esquadro.
Rompem-se amarras
rasgam-se os muros,
embalam crianças ao entardecer.

CARTAS

Collado

CARTAS 

Abertas as cartas
há as tuas mãos
pressionadas na escrita,
o cheiro a papel novo,
a caligrafia da escola primária,
ao último adeus
no cais da estação.
O teu rosto
levemente desmaiado,
as viagens desenhadas
nas abas do arco-íris.
Tudo à mão de semear
o calor da presença,
o embarque, o que me resta
 a desvanecer-se.
As cartas triste remédio,
vejo-te no fim do ano
se esse for o teu desejo.

UM DOMINGO


Collado
UM DOMINGO

Ir á matiné,
tomar café de permeio,
encher a alma
de histórias vividas,
sair a tempo de ver as estrelas,
de fazer asneiras,
beber uma taça de vinho branco,
comer tostas de salmão fumado.
Um leve arrepio ao ver,
ao pagar a conta.
Discutir o que se viu na tela,
sublinhar frases nunca pensadas.
À noite, no quadrado da sala,
televisão apagada,
pensar este dia
metido num poema.

terça-feira, 13 de março de 2018

PRIMAVERA


Collado
PRIMAVERA  

Primavera de cor húmida
com  pingos  prateados
caindo das árvores.
Dança sagrada
esperada cada ano
velha e sempre renovada.
Desponta a medo
explode em cor.
Cheira a frescos
a terra prenhe
a frutos saídas da flor.
Cheira a verde,
a juventude
a querer vergar o mundo,
sabe a mesa farta
com tarte de maçã
e chocolate quente.

PALAVRAS


Collado
PALAVRAS  

Sou certeira, feita de palavras,
alinhadas em papel pardo,
em caderno fino de linhas paralelas,
em folha de jornal,
em guardanapo de papel,
no tampo de uma mesa,
se outra forma melhor não houvrr
para fazer acontecer o poema.

2018

Victor Silva Barros

2018  

Mais um ano
festejado com foguetes
e champanhe,
mudanças? não dei por nada
Os dias movem-se iguais,
no horizonte desvaneceu-se
a vontade para encontrar a paz,
mata-se na Síria
como que, extermina
as ratazanas.
As espingardas, objectos banais,
Compra-se o pão raro
embrulhado nelas.
Nós, portugueses
aqui estámos no cu da Europa
literalmente
à mercê que os boss
gostem de nós,
nos sentem à mesa
para provar a doce sobremesa
sobrante.
Lá se foram os desejos
engolidos com as passas,
resta-nos o sol
numa jarra de limonada.

quarta-feira, 7 de março de 2018

PRIMAVERA


Collado
PRIMAVERA

A Primavera há-de chegar
o cheiro a terra molhada,
as cores exactas do arco-íris,
a dança das flores
parideiras de frutos.
À noite, noite cerrada
a luz da lua pousará nos charcos
adubando os pensamentos,
adormecendo as cigarras.

PORTO


Vilas-Boas
PORTO 

Na noite fria da cidade
acostada a este inverno escuro
procura-se a identidade
por aí, por entre os botecos,
perdida.
O céu escorre nas telhas cinza,
algumas estrelas espetadas
nas clarabóias coloridas.
Anseia-se, em vão, um pregão
com frutos empilhados,
cestos presos por mãos ossudas.
Secreta, sinuosa, é a cidade
onde sempre se quiz liberdade.
Correm vozes brejeiras,
são poucos os que restam,
teimando que passe
a vassoura do despejo.
Já não caem folhas,
os jardins pátios de cimento armado,
preservam-se, por ora, nas fachadas,
azulejos multicores,
portas com batentes de bronze gasto,
escadas ingremes em direcção a bairros
com medo de dar na vista
e serem derrubados pela vã cobiça.

JANELA


Maluda
JANELA 

A janela é um lugar mágico
debruçada sobre a vida,
de cima para baixo.
Varrem as ruas os pés
a caminho do trabalho,
os jovens fugidios
lindos e rebeldes
apressam-se para chegar
antes da abertura da faculdade.
Um tremor entre a luz e a escuridão
o desenrolar da vida  é perfeito
entre quem  a vive
e quem a espreita.