terça-feira, 24 de março de 2015

HORAS

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HORAS

A hora é de silêncio
na margem do rio de ouro!
Os barcos embandeirados
estão retidos no cais!
As luzes tremelicantes
penduram-se no outro lado!
Muros enegrecidos
de velhas quintas
guardam consigo
histórias de mouras
encantadas!
Duas matrionas
esmagam-se num abraço
nesta hora intensa
de calar as águas!

FUNDO DO POÇO


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FUNDO DO POÇO

No fundo
mesmo lá no fundo
do horizonte,
onde nada chega,
nem a nossa vontade
de amar,
acaba a arquitectura
do sermos,
transpõe-se o sonho!
Perante o vazio
que nos impõem,
muito perto do caos,
muito perto da guerra,
nenhuma questão
é inoportuna,
queremos o reverso!
A nave é artesanal,
as luzes incandescentes,
em frente, em frente,
até à estrela polar!
Nesta humana persistência
de quebrar a má política
de governos impotentes,
organizemo-nos lá em cima
para os varrer
para debaixo do tapete!

DESABAFO

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DESABAFO

Muros que encurralam
respiração aflita,
casulos que esmagam,
não passo,
o barqueiro espera,
impacienta-se,
não consigo chegar
ao outro lado!
Tenho vontade,
falta-me a força,
tudo é árido
neste compradio,
confuso, corrupto,
retirando-nos
a vontade natural
de vivermos!
Talvez tu não faltes,
apontando-me a dedo,
a constelação arredia,
refúgio certo
para não nos perdermos
e de lá reinventar a vida!

MOMENTO

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MOMENTO

Se mereceres
caminharei amanhã
pelo areal extenso
até ao pilar da ponte velha!
Atravesso o porto
o que me deixa perto
do café tardio
onde descansas
bebendo uma cerveja gelada,
comendo tremoços cor de sol!
Foi pouca a distância,
cravado o teu olhar fundo
no meu ansioso,
parámos os dois de respirar
e ali ficámos

a olhar o mar!


terça-feira, 17 de março de 2015

DIÁRIO


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DIÁRIO

Um relógio de sol,
centenário,
no adro da igreja,
indica meio dia!
Os  trabalhadores rurais
olham-no, indiferentes,
serve apenas
para indicar as interrupções
da labuta diária!
Ninguém espera
que dê figos,
ou dióspiros sedosos,
viscosos!
Anuncia o anoitecer
adivinhando
as migas temperadas
com pimentão e banha,
acrescentadas de nabiças,
amargas,
e costeletinhas de porco
em vinha-de-alho,
pão de milho substancial,
aromático,
a refeição certa
para compor o estômago
até ao novo dia de trabalho!

PAISAGEM



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PAISAGEM

Nus, diante de um espelho,
confundimo-nos
com o tempo que passou!

SERÃO

Marina Mourão

SERÃO

Num serão atípico,
sem que nada
estivesse anunciado,
rodeaste a minha cintura
com a tua mão,
definistes ali
o começo de tudo!

ADN



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ADN

Brandos são os portugueses
vivendo na sombra
com fugazes interrupções
de luz!
Sem grandes protestos,
ausentes,
procuram dia a dia
o pão da subsistência
como se fosse uma cruz!

quinta-feira, 12 de março de 2015

SONHAR



Luísa Prior
SONHAR  

Corro atrás das estrelas,
entristece-me se se escondem,
muda tudo
a falta de visibilidade,
já não posso dar-lhes a mão
e  ficar pela eternidade!

SER


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SER

Sendo luar
a entrar na  sala,
sendo um doce
de Páscoa
 a consolar,
sendo um regato
a refrescar a terra,
inteiro, íntimo,
sendo um  feixe
de luz
raro, único,
sendo  pessegueiros
a  multiplicar-se
na planície crua,
sendo o olhar,
que pela primeira vez
te viu,
sendo o amor
a rasgar a merenda
na mesa sempre farta,
sendo a dádiva
incondicional
do pão, vinho, fruta,
colocada sem pressão
na mesa antiga!
Acabou a floração,
a chuva bate nos vidros,
inunda os campos,
fim!

A VIDA NA PAREDE



Maria da Conceição Pombo
A VIDA NA PAREDE

Acumulam-se fotografias
nas paredes de casa,
cada uma um caso,
momentos nossos!
Arquivam com carinho
em flaches
os actos relevantes
dos quais fomos autores!
Hoje digitam-se em máquinas
que as guardam,
menos significativas
fora da exposição a olhares!
Partilham-se,
deixando estranhos
que não nos são nada
entrar dentro da nossa vida!
Não me imagino
sem as fotos,
está tudo a nu
com legendas esmiuçadas!
Sem fragilidades,
sem dor,
só carnaval
em noites de cavalos coroados!

VIDAS PASSADAS

Mariana Dias

VIDAS PASSADAS

Silêncio
na urgência do hospital,
vultos que se cruzam,
olham-se sem se verem,
nada dizem, nada perguntam,
homens, mulheres  indefesos,
à espera  de soluções!
Exames, tubos, química,
enfermeiros apressados,
o soro escorrendo
nos corpos cansados!
Rostos parados,
a vida parou por hora,
silêncio
antes da morte
ou da salvação!

quarta-feira, 4 de março de 2015

ABANDONO

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ABANDONO

Soturnos, fechados,
rezando terços repetidos
por conta de tantos pecados,
gestos enfadados,
sentidos atordoados,
agonia
num tempo escasso,
dores forjadas,
nervos de aço,
desenhos surreais no terraço,
aranhas fazendo a teia,
baloiços vazios,
coração a sangrar,
falta partilhar,
amanhã vamos aproveitar
alguma coisa boa
misturada com o lixo!

REGRESSO ESPERADO

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REGRESSO ESPERADO

Regressando,
deixa a mágoa de lado,
traz apenas os dias de sol,
as palavras não ditas,
escritas
no melhor de nós!

PROMESSAS

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PROMESSAS

Prometeram sol,
espaços amplos,
tudo sorria
e nos damasqueiros
cantariam cotovias!
Prometeram arco-íris
a pintar o céu,
mel a adoçar as bocas,
sementes a  rasgar
os campos,
esperança  a cair nos sonhos!
Nos livros de contabilidade
não apontaram deve e haver,
despedaçaram  vidas
sem aviso prévio
nem possibilidade 
de escolher outros caminhos!

POST MORTEM


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POST MORTEM

Haverá frascos cheios de perfume,
até o teu,
o que gostavas muito,
de aroma primaveril,
haverá dias brilhantes,
amanheceres radiosos,
breves nevoeiros matinais!
Haverá casas ainda,
vazias e frias,
passos  gastos,
outros que se perderam!
Faltam canções,
faltam histórias,
falta o calor da tua mão
segurando o meu rosto!
Há ainda flores anárquicas,
sementes sobrando,
rosas secas,
a homenagear-te
no jardim que foi teu,
e que tanto cuidaste!
E o mais é nada
na ausência da partida!