terça-feira, 30 de outubro de 2018

PAISAGEM MARINHA

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PAISAGEM  MARINHA

O dia amanheceu triste
sem razão nem porquê,
um friozinho atrofiava
a vontade de sair.
A praia defronte à janela
salpicada de salitre,
o muralhar do mar
em sons de búzios
e cânticos de sereias
escondidas nas rochas
moldadas pelas ondas.
O vento enrolando a areia
que fustiga a pele
e se pega ao corpo.
As ânsias acomodam-se,
os olhos presos
nos fios do horizonte
esvaindo-se
nas saudades de mundo novo.
O céu é a tela exacta
enfileiradas as estrelas, a lua,
grafite-se o finito do infinito
dos homens e sua existência.

FACEBOOK

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FACEBOOK

Que me vendem
nos media
e nas redes sociais
senão imagens vagas
desfocadas
fora do dia a dia
do comum mortal
Descarregam postes
de cores fortes
envoltos em neblina
a lembrar
que a existência
é  fora do écran.
Trocam de perfil
conforme a conveniência,
rude respondo
sem beijos nem abraços
dentro do tema
ou da falta de ideias válidas.
Dou o recado
e vou-me embora
antes que alguém se lembre
de me insultar.

UM VENTO ATLÂNTICO

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UM VENTO ATLÂNTICO

O vento sopra como nunca
amassando o ímpeto
e a vontade
de sair e gritar liberdade.
Não há transporte
que leve à lua,
de caras no solo
 os vis mortais
mais uma vez serão capachos
onde botas cardadas pisarão.
Mas há sempre alguém
que resiste,
esquece a porta e o cadeado,
desafia leis injustas
e luta pela paz, pela democracia,
pelo pão partilhado, igualdade
de oportunidades,
pelas cidades, pelo interior,
pelas favelas, pelos índios
esquecidos  na hora de repartir,
por Imanjá, pelo terreiro
pela vendedeira de picolé,
pela mãe que chora
fechando os olhos
do filho assassinado.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

VIVE BRASIL

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VIVE BRASIL 

Este é o meu poema dolente,
dorido, inseguro  espectante,
BRASIL, BRASIL, BRASIL,
Escavas fundo a ferida
num momento sem saída,
cego, surdo, cambaleante,
correndo para o precipício
como se estivesses no terreiro
festejando a liberdade.
Possível, ainda é possível
seguir em frente,
louvar a terra e a gente,
os índios, os negros, os mestiços,
o Nordeste, a Amazónia,
a Baía e o Rio de Janeiro.
Voltar a ser grande
distribuindo o samba,
a dança da capoeira,
o voo do colibri,
os imensos areias,
os mangais, o sol ardente,
a alegria, um futuro,
a vontade de ser
alguma coisa clara.
Dividir o pão sagrado,
as ideias, a construção
de algo novo,
rasgar as nuvens
com o som do violão
espalhando uma remota
e desejada esperança.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

OUTONO

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OUTONO 

Nem dia nem noite,
luscofusco,
a tarde sem chuva,
dormente.
As cores terra exangue
levadas
por um vento agreste.
Onde está o espelho
de ouro velho
onde possa arranjar o cabelo?
Um gato vadio
corre pelas folhas mortas
num jardim pintado
de tons fortes.
Um cheiro intenso,
a brasa, a castanha assada,
queimam-se as mãos,
degusta-se o Outono.

VER


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VER 

Sentada na cadeira escura
de um café da cidade,
esperando o cappucino,
vejo, para além do muro
de cimento e cal,
a vida
enfiada num cubo
balançando sobre um rio
de cristal.
Bem me quer
mal me quer
onde está
quem me quer bem?
Existo, febril
entre querer, não querer,
ser e não ser.
Eis o destino
em cartas de Tarot
caminhos estreitinhos,
pouco ouro
e metas atrás de metas
para cumprir.
Perco palavras cifradas,
registo,
tudo acaba bem
no absoluto desprendimento
de tudo.

SOL AINDA


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SOL AINDA 

À noite
cai a neblina,
cheira a mar,
conversas cochicadas,
pedaços de nada.
O sono serenamente
a chegar,
Beethoven a tocar
uma ária
com paixão.
Tudo é uma passagem
pela ponte
pelo rio
ao encontro de um navio
naufragado em Miramar.
Cordas
enroladas no cais,
ais pendurados
em fios eléctricos,
o tempo a passar
tão rápido
que o vento leste
não o consegue apanhar.
A chuva não cai
a terra está tão seca,
as mãos espremem
um lenço
que não deita água.
Os sonhos subiram
ao sótão da minha avó,
encaixoto-os
numa arca de pinho,
quero barulho,
pés a bater no chão,
ler Marcuse, Platão.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

PEDIDO

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PEDIDO 

Caíram-lhe as asas
com elas se foi
a vontade de voar.
O céu está longe de mais,
as estrelas arrefeceram,
um frio estranho
percorre-a da cabeça aos pés,
estremece
e pensa que não merece
ouvir Verdi.
Ficou-se com o caldo verde
sem rodela,
encostada ao canto,
mais canto do sofá.
Olha pela janela,
a noite caiu.
Só lhe apetece enroscar-se
na manta quente, desformatada,
cair no sono e esperar
que o novo dia frua
e lhe traga
um flute de champanhe
e tostas com caviar.

QUERERES

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QUERERES 

Quero esse tempo
em que não havia tempo
só a inocência do momento
e o futuro para vir.
O fugaz era intenso
e por cima
do umbral da janela
no meio do nevoeiro
havia sempre um cavaleiro
pronto para me levar.
Quero o meu
e o que está ao lado
tal como um pássaro alado
voando rumo a sul
Fora de mim plano
à procura de luminosa nave
que do telhado faz rampa,
me rapta
para onde o pensamento humano
não alcança.

RELÓGIO

Coladdo

RELÓGIO  

Parou o relógio,
o tempo não flui
pendurado
nos ponteiros silenciosos.
Falta o bater das horas
a lembrar
que existimos
nesta correria louca
de fabricar vida
a olhar pela vidraça
da janela embaciada.
O pêndulo inerte
não descreve o meio circulo
em dança coreografada.
Parou nas doze horas
de um dia aziago
assim ficou mudo e quedo.
Num golpe de saudade
foi consertado,
colocado no lugar.
Eis o guardião do tempo,
a lembrar dia a dia
a brevidade da vida
que se acaba
a cada minuto rodado.