terça-feira, 22 de outubro de 2019

INDO AO PASSADO


Alberto d' Assumpção
INDO AO PASSADO  

Aberta uma brecha nas memórias
a alma cobre-se com uma manta
de mar calmo.
Ah a preparação para a primeira
comunhão, em casa de Mestra
escolhida pelo vigário da freguesia,
a hóstia que não podia ser mastigada,
a vela branca na mão.
A procissão do Corpo de Deus
com o pálio a cobrir o  Senhor Exposto,
as beatas atrás, de véu na cabeça
rezando o terço por mor dos seus
pecados, actuais e vindouros
A velha escola primária
na casa da D. Virgínia,
onde a professora primária
nova e deslocada, ensinava
os rios e caminhos de ferro
à chapada.
Que cruel era a matança do porco,
os grunhidos do pobre animal
toda a santa semana
castigavam as cabeças da criançada.
As primeiras saias mini
nos corpos roliços das moçoilas,
credo em cruz, a escandaleira.
Meninas de famílias consideradas
querem agora ser rameiras.
As mulheres acomodadas
à vida de servidão,
limpam o ranho do nariz ao pimpolho,
descansam as pernas fatigadas.
À noite pela janela aberta
entram os odores das flores do jardim,
sentada na cama entre almofadas
abro o caderno de linhas
e registo as memórias num poema.

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