quarta-feira, 29 de abril de 2015

O CHEIRO DA COZINHA DA MINHA AVÓ


André Derain

O CHEIRO DA COZINHA DA MINHA AVÓ  

Rescende a cozinha a limão,
as raspas estão sobre a mesa,
o sumo no verde jarrão.
É o perfume da Ana
fazendo bolinhos,
biscoitos, tortas,
na mesa da sua avó.
Mesa grande, corcumida,
de madeira envelhecida,
acomodando comida de amor.
À volta daquela mesa
houve sempre confusão,
o tio Ilídio questionando
a timidez da sobrinha,
a avó Maria
rindo de tudo e de nada,
a criada Albina
servindo sem precisão
o caldo ralo
com couves e feijão.
Os tios músicos
sempre com novas histórias
da capital e das capitais do mundo.
O avô António sisudo
fazendo contas de cabeça,
precisando
se o dinheiro ganho
chegaria ao fim do mês.
Que odor a amoras silvestres,
a mel, a canela,
cortado o bolo redondo,
a visão era apelativa,
a última, naquela cozinha velha,
tingida de cinza,
deixando nesse momento
de ser minha,
mercê de uma divisão de bens.

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