quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A MINHA COMUNHÃO SOLENE

Orlando Falcão

A MINHA COMUNHÃO SOLENE  

Afirmo com todas as letras
que o meu avó chorou
quando eu de bordado inglês
vestida, pequena, inocente,
participei na procissão 
da Festa do Corpo de Deus,
que agregava a nossa Comunhão
Solene.
Abriu-me a mão
em gesto desajeitado
e meteu-me na palma aberta
uma nota de vinte escudos,
vinte vezes dobrada:
não gastes mal gasto,
disse-o numa voz tremida
pela comoção do momento.
Eu chorei depois
nunca havia recebido
tão generosa oferta.
A festança o normal:
a canja fumegante,
o galarote assado,
o pudim francês
feito a preceito pela minha avó
É possível descrever com exactidão
cada segundo, cada minuto
do meu contentamento interior .
Os sentimentos guardo-os no coração
embrulhados na nota
que me deu o meu avó.
Por fim, o retrato,
entre o meu pai e a minha mãe,
em pose convencional
para pendurar na sala
como recordação

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